sexta-feira, dezembro 10, 2004

Flamenco (2)

Manzanita - Mal de amores (1984)
Uma das vias de fusão do flamenco foi na direcção do cançonetismo. Mais do que uma novidade, esta via foi sempre uma ligação intermitente, transfigurada segundo as roupagens orquestrais das modas vigentes. Manzanita nunca a desprezou, mas é com este álbum que se lança nela plenamente. Fê-lo de um modo que constituiu uma ruptura na sua carreira. Com efeito, interrompendo a colaboração com o consagrado produtor José Luis de Carlos, fez esta gravação sob a direcção de Jorge Álvarez, vindo da área do pop/rock mais comercial. A CBS disponibilizou acrescidos recursos, os quais consistiram na participação da Royal Philarmonic Orchestra e do maestro Luís Cobos. O rumo apontava caminhos mais comerciais. Em todo o caso, os resultados de vendas foram decepcionantes, tendo em conta os gastos de produção e as vendas atingidas pelos álbuns precedentes. Não segurou o seu público mais exigente e não conquistou públicos mais amplos. Sucede, contudo, que este álbum é merecedor de atenção. Os arranjos são pesados, ora dando protagonismo à caixa de ritmos, ora configurando um cançonetismo de aparato. Ainda por cima atreve-se a impensáveis desplantes falhados, como pegar no La Bohème, de Aznavour, em moldes de zarzuela, ou na copla Los Piconeros com instrumentalização eléctrica... Outros excessos, porém, resultam magnificamente, como certas letras liricamente toscas e de conteúdo ao estilo de macho castigador, onde avulta esse delicioso vademecum do género que é Sin darme cuenta. Nesta linha, o primeiro e último temas são também fortes e sublinham a tónica de um mano a mano entre orquestrações pesadas e um desempenho vocal pleno de garra. Na verdade, a voz, entre o agreste e o aveludado, estava mais exuberante do que nunca. Para o bem e para o mal, tudo aqui é mais do que quente, é tórrido... Há coisas muito boas e muito más.
Com este álbum maldito, desenterraram-se alguns demónios relacionados com os seus antecedentes machistas (denúncias de assédio e opiniões tonitruantemente polémicas...) e começaram a esboçar-se sinais de uma decadência precoce. Depois do álbum seguinte, La quiero a morir, entrou numa fase de penumbra, de onde só chegaram os tímidos ecos da conversão a uma seita evangélica e os intermitentes testemunhos de uma carreira em retirada, através de uma série de álbuns menores.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Sem comentários: