quarta-feira, abril 27, 2005

Vademecum (3)

Henriette Walter - A aventura das línguas do ocidente (1994)
Para quem se interessa muito por línguas, não sendo, nem pretendendo ser, porém, um especialista, este é um livro a ler. De uma forma bastante acessível temos aqui um compêndio sobre a história e geografia das línguas europeias. É mais um exemplo de como a erudição pode estar eficazmente ao serviço da divulgação.
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Vademecum (2)

Richard Hill - Nós, Europeus (2001)
É um livro de leitura fácil. Em tom de divertida sátira, por vezes caricatural, aqui e ali raiando a polémica, um jornalista inglês, que apropridamente vive em Bruxelas, vai dando as suas impressões sobre o que se pode designar como temperamento colectivo (a pertinência do conceito é discutível...) dos vários povos da europeus. Alguns títulos de capítulos podem ajudar a perceber o teor destas considerações:
Os britânicos: uma sociedade sentimental;
Os franceses: os individualistas curiosos;
Os alemães: os místicos metódicos;
Os espanhóis: os igualitários egocêntricos;
Os italianos: os estetas por natureza;
Os luxemburgueses: os internacionalistas introvertidos;
Os holandeses: os dogmáticos democratas;
Os suiçps: os pacifistas práticos;
Os austríacos: os esquizóides sentimentais;
A orla céltica: a maravilha do Ocidente;
Os noruegueses: os marginais obstinados;
Os dinamarqueses: os extrovertidos empreendedores;
Os suecos: os realistas racionais;
Os finlandeses: os pragmáticos apaixonados;
Os portugueses: os românticos passivos;
Os gregos: os improvisadores inteligentes;
Os húngaros: os analistas lúcidos;
Os eslavos: uma miscelânea cultural.
Há observações certeiras, outras desajustadas, mas há, sobretudo, bastante verve e o resultado é muito divertido, sem deixar de ser instrutivo.
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Vademecum (1)

Felipe Fernández-Armesto (dir) - Los hijos de Zeus / Pueblos, etnias y culturas de Europa (1994)
Bem perto de nós há lugares distantes. Frequentemente se esquece que a Europa é um denso mosaico de povos, etnias e culturas. Muitas vezes as diferenças entre vizinhos são dramáticas. Para alá da retórica, os europeus ignoram-se mutuamente, mais do que se supõe. Por detrás de lugares-comuns desde há muito entranhados, cada povo encarregou-se de fixar uma imagem e opinião sobre a vizinhança e estas ficaram fixadas ao longo dos tempos. A maior parte das vezes esta percepção da vizinhança é francamente hostil, por razões compreensíveis ou não - em larga medida este cenário sustentou um passado de guerras... Seja como for permanece uma espantosa ignorância - quem sabe, por exemplo, que a afinidade linguística entre finlandeses e escandinavos é quase nula? Que o mesmo se pode dizer da afinidade dos húngaros com os seus vizinhos eslavos? Ou que os bascos a terem alguma remota afinidade é, precisamente com hungaros e finlandeses? Quem tem a noção de que o que é hoje toda a periferia da França foi até finais da Idade Média um denso mosaico de línguas? Quem sabe que, desde finais da Idade Média as elites do Noroeste de Itália se tornaram francófonas e as do Norte e Nordeste germanófonas? Todas estas coisas e muitíssimas mais constam desta autêntica enciclopédiazinha - obra colectiva, dirigida pelo professor espanhol de Oxford, Fernández-Armesto. Para mim é um vademecum.
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sábado, abril 23, 2005

Guia hispânico (12)

Fotos da Revolução Mexicana (in The New York Times)
Emiliano Zapata (1915); Coluna revolucionária (1913); Mulheres à porta da prisão de Belén (México, DF) (1920)
Zapata e Villa são os dois mais importantes mitos da Revolução Mexicana. Contudo a relevância que ambos tiveram no imenso complexo desse movimento foi menor do que à primeira vista se possa supor, quanto mais não seja porque estavam à margem das facções vitoriosas. Por outro lado, o conteúdo social que se pode associar a ambos é também incorente e difuso, sobretudo no que diz respeito a Pancho Villa. Este último, aliás, está muito próximo do banditismo tradicional e integra-se num conjunto de caudilhismos plebeus que nessa época imperou por todo o México Norteño. Zapata tem pouco a ver com essa matriz. Emerge no Centro/Sul, no coração do mais tradicional México indígena, sobre um explosivo caldo de terríveis desigualdades sociais centradas em torno da terra. Há efectivamente uma fortíssima pulsão social no zapatismo. De algum modo esta vertente acabou por ser incorporada teoricamente nos valores vitoriosos da Revolução e acabou, na prática, por sustentar a reforma agrária dos anos trinta, com Lázaro Cárdenas.

sexta-feira, abril 22, 2005

Para siempre boleros! (9)

Nuria Villazán - Machin: Toda una vida (2002)

Foi editado em DVD este documentário sobre a vida de Antonio Machin. É do melhor que no género já pude apreciar. Apresenta uma vasta recolha de depoimentos de muitos dos que com ele conviveram: familiares, amigos e companheiros. Reúne excertos de espectáculos televisivos e algumas sequências de entrevistas. É um valioso documento.
Nasceu no Oriente de Cuba. Era filho de uma negra e de um modesto imigrante galego. Contudo, apesar destas origens, cedo se lançou na vida artística, obtendo imediata projecção. Não tardou que integrasse, como membro mais destacado, um grupo que teve oportunidade de gravar e actuar nos EUA. Nos anos trinta esteve, assim, na vanguarda da divulgação dos sons latinos. El Manicero é um símbolo destes tempos ainda pré-bolero. Com o mesmo grupo chega à Europa - primeiro Londres; depois Paris. Nesta cidade encontrará um ambiente mais propício ao prosseguimento da carreira. Com uma agenda de espectáculos preenchida e fama firmada, ali permaneceu até à eclosão da 2ª Guerra Mundial. Esta assinalou, porém, uma drástica mudança de ambiente. Rumou a Espanha, mais concretamente a Barcelona, onde era desconhecido e onde se viviam os tempos de penúria do pós-Guerra Civil. Era difícil imaginar pior contexto para relançar a carreira. "Comeu o pão que o diabo amassou", mendigando trabalho em obscuras casas de espectáculos de uma Barcelona deprimida e sem um duro para gastar para além das necessidades básicas. Lentamente, porém, tudo foi melhorando. À medida que a cidade ia saindo desta penumbra, emergia a sua voz melancólica cantando amores arrebatados, enfim, aquellos boleros que encheram o coração de uma Espanha derreada pela pobreza e opressão nos anos de chumbo do franquismo... Em meados dos anos quarenta tinha já readquirido a fama de outros tempos e lugares. A bandeira desses anos é Angelitos Negros, cujo retumbante êxito assinalou a sua conversão como mito da cena musical espanhola. Daí para diante estará sempre no primeiro plano. Mas sonado que las maracas de Machin tornar-se-á uma expressão coloquial para vincar o grande poder mediático de algum facto ou fenómeno. Na verdade, Machin tornou-se, mais que qualquer outro, no bolerista de Espanha. Para este facto contribuiu a sua ascedência paterna, mas sobretudo, o seu casamento (longo e... feliz!) com uma sevilhana de boas famílias. Um casamento que, desde logo, questionou profundos preconceitos racistas... Abdicou de viver em Barcelona e nunca chegou, propriamente, a viver em Madrid. Radicou-se na cidade da sua mulher, de onde partia em cíclicas tournés por Espanha. Pode-se dizer que tornou-se um sevilhano... de pele mais escura. Aí está enterrado.
Para além de um exímio profissional, Machin era um homem bom. Em todo o caso, quero salientar a qualidade única da sua voz frágil mas expressiva, com um timbre melancólico inimitável. Transporta em si como que uma lamento que a faz adequar-se àqueles boleros mais tristes...
A realização deste documentário é excelente. Foge ao convencionalismo de várias maneiras, nomeadamente renunciando ao fio cronológico expositivo e assegurando um ritmo vivo e imaginativo.
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quinta-feira, abril 21, 2005

Euskal Herria (14)

Oskorri: Vizcayatik... Bizkaiara (2001)
Oskorri é o mais importante grupo folk basco. Desde os anos setenta tem produzido uma extensa discografia assente na música tradicional basca, explorando-a em todos os seus âmbitos num sentido mais ou menos fusionista. Este álbum é dedicado a Vizcaya e incide em temas rítmicos, dançantes. É um trabalho magnificamente produzido. Ainda que sem alcançar o nível dos melhores (situados segunda metade dos anos 80), não deixa de ser uma boa opção para começar a conhecer o grupo.
Uma nota para a língua basca ou euskera, cuja aspereza indicia uma difícil musicalidade. Tal ideia carece de fundamento. Quer aqui, quer, sobretudo, noutros trabalhos que enveredam por caminhos mais melodiosos, Natxo de Felipe demonstra-o, com a sua voz suave e quente. Vem ainda a propósito referir que toda a metade leste da província de Vizcaya permanece euskaldun, ou seja, falante de euskera. Algo que já não sucede na parte oeste, nomeadamente, na capital, Bilbao. Em todo o caso, no leste de Vizcaya a língua basca tem grande vitalidade. As outras áreas ainda efectivamente euskaldun são toda a província de Guipúzcoa, o norte de Navarra e as zonas mais rurais de Iparralde (conjunto das províncias bascas sob soberania francesa).
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quarta-feira, abril 20, 2005

Euskal Herria (13)

Albatzisketa: uma aldeia no coração de Euskal Herria
Assim votou Albatzisketa (Tolosaldea, Guipúzcoa), aldeia situada no sopé do Monte Txindoki, - nas eleições autonómicas do passado domingo:

95 (57,9%) EAJ/PNV-EA
54 (32,9%) EHAK/PCTV
7 (4,2%) EB-IU
5 (3,0%) Aralar
2 (1,2%) PP
1 (0,6%) PSE-EE
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(A verde: os partidos e coligações do nacionalismo basco)
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- EHAK/PCTV Euskal Herrialdeetako Alderdi Komunista / Partido Comunista de las Tierras Vascas (1)
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(1) Partido surgido muito recentemente. Recebeu indicação de voto por parte Aukera Guztiak (ex Batasuna), cuja candidatura às eleições foi anulada por decisão judicial (relações com ETA)
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Albatzisketa é uma aldeia representativa de um País Basco profundo, rural. Para se ter um noção global dos resultados das eleições, consultar:

terça-feira, abril 19, 2005

terça-feira, abril 12, 2005

Mariachi y tequila (21)

Vicente Fernández - Vicente Fernández y sus corridos consentidos (2005)
Na remessa de CD's recém-chegados dos EUA e de Espanha este perfilava-se como o mais sugestivo. Comecei por ele e, na verdade, dele ainda não saí... Considero-me em bem-aventurado transe, escutando-o repetidamente e encontrando cada vez mais motivos de deleite. Saiu há poucos dias (México e EUA) e assinala uma retorno. Com efeito, há 25 anos que Vicente Fernández não fazia um álbum exclusivamente de corridos. Tem, portanto, coerência temática. Além disso, é produzido com inusitado requinte, o qual se manifesta no grafismo do encarte (explanando pletórica iconografia da Revolução Mexicana), na qualidade da gravação e dos executantes. A voz, essa está melhor do que nunca. Continua poderosa e rica de nuances, tendo vindo a ganhar, com o tempo, um acento agreste. Fora do mundo da ópera não haverá voz, com excepção da de Mina, tão versátil. Num ápice vai do sussurro ao troar poderoso, sem fissuras. É expressiva nos mais diferentes registos e alardeia grandiosidade. Ou seja, as qualidades da interpretação de Vicente Fernández e a esmerada produção (Pedro Ramírez) puseram de pé um trabalho modelar! Todos os temas são fortes e todos se inserem na categoria de corridos tradicionais. Destaco: Valentín de la Sierra; El martes me fusilan - evocação dos levantamentos católico-tradicionalistas (Los Cristeros) contra o laicismo militante dos governos de Obregón e Calles nos anos 30; Valente Quintero; Los dos hermanos - um jogo de vozes entre um dueto sottovoce de Alejandro Fernández e Vicente Fernández Jr e a voz tenor do pai e protagonista, Don Chente; Le pusieron 7 leguas (mais um tema para a longa série de homenagens a cavalos).
É um álbum épico e, na intrínseca rudeza da sua matéria, na forma exímia como a trata, é sublime! A rudeza é a própria do género ranchero e, em particular, do corrido. Rudeza inscrita na temática das crónicas narradas, muitas delas centradas em heróis da Revolução Mexicana (1910-1919), mais ou menos subsidiárias da mítologia de Pancho Villa e Emiliano Zapata. São efectivamente crónicas, desenrolando tramas com impacto, repletas de violência. O epílogo chega, quase sempre, com a morte do herói, em estereotipado dramatismo. Sucedem-se cenas de fanfarronadas, desplantes absurdos e caprichos cruéis. Enfim, o politicamente correcto vive numa galáxia muito distante, como se pode apreciar neste exemplo: "que bonitos son los hombres que se matan pecho a pecho, cada uno con su pistola, defendiendo su derecho" (corrido de Arnulfo González).
Estes corridos consentidos entraram há muito na categoria de clássicos populares. Foi uma forma comum de perpetuar a memória de bandoleros, soldados, charros valientes y... caballos. É um completo devocionário de virtudes viris e valores essenciais. Aliás, o álbum tem uma faixa extra multimédia, que é um filme de animação, cujo enredo é significativo: Don Chente e seus dois filhos (Alejandro e Vicente Jr), passeando a cavalo, inquirindo estes sobre o seu famoso currículo de conquistador; o patriarca não dá confiança para se discutir o assunto, mas acaba por sair de cena abraçado a uma jovem, com visível vaidade de todos. É significativo, sobretudo, pela cumplicidade de valores varonis estabelecida entre pai e filhos. Na verdade, deste universo de corridos rancheros, o mulherio está num plano secundário. O seu lugar é o de figurante que ajuda a dar nexo à trama ou embeleza a paisagem. A excepção é enquanto mala mujer e/ou objecto de disputa, tornando-se um detonador de desgraças. Seja como for, como é evidente, não se deixa de cantar (e muito) o sexo, mas sempre em rigoroso plano machista. Os afectos e emoções que predominam são o amor paternal, o filial, o fraternal, assim como a camaradagem. Afectos e emoções que se sustentam em valores - precisamente os mais tradicionais e que, no caso, formam parte de uma imagem de um México profundo, que é já um mito. Enfim, para quem esse mito é sedutor e, particularmente, para quem conhece e gosta mesmo de música ranchera este álbum não é um apenas um álbum muito bom, é um objecto de culto!
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sexta-feira, abril 08, 2005

Tiro ao Alvo (2)

Viva Carlos e Camila!
São feios, antipáticos, flagrantemente fora de moda. Carentes de glamour. Pouco mediáticos, enfim... O príncipe é mesmo um bota de elástico, de gostos trivialmente convencionais. Não é nada espontâneo e tresanda a formalismo serôdio. Ela arrasta o estigma de adúltera e meio mundo revê nela o sempiterno estereótipo da bruxa feia... e ainda por cima (once more) a-d-ú-l-t-e-r-a! Pior ainda quando paira sobre eles a imagem da Princesa Diana... (um dos mitos mais idiotas entre todos os muitos que o hodierno circo mediático tem fabricado)
Eu gosto deste casal. Para já são a prova provada contra as beldades que pode haver um lugar de encontro para o amor ao qual não se chega necessariamente por essa vantagem adicional. São também a prova provada contra os cobardes que muitas e muitas vezes para chegar a esse lugar é preciso ter coragem.
Hurra, hurra e hurra!

Mariachi y tequila (20)

Vicente Fernández - Que de raro tiene (1992)
Eis aqui uma imersão na música ranchera pura e dura, com a vantagem de ser servida em produção de qualidade (neste género, a qualidade de produção só começa a aparecer a partir de meados de oitenta). Além de que é um Don Chente mais que maduro, cuja voz alardeia o mesmo poder de sempre, mas robustecida por uma patine que a torna mais vibrante e quente. Depois, temos uma secção de metais portentosa! A forte presença de metais no mariachi é um dos elementos que mais me atrai (ao contrário do que se possa pensar só aparece nos anos trinta).
Os treze temas são castiços e a maioria é espectacular. A saber: Que de raro tiene; La fiesta; Acá entre nos; Soñanando en Garibaldi; Maldita sea; El regalo; Soliloquio de un toro viejo. É uma paisagem povoada por mulheres traiçoeiras e paixões funestas. O tema inicial, Que de raro tiene é uma pungente rendição perante o desgraçado poder sedutor das mulheres, com um toque de fragilidade, dir-se-ia pouco acorde com a rudeza ranchera.. La fiesta é um corrido divertido que sugere o ambiente das parrandas charras (Mundo Charro); Acá entre nos leva-nos à duplicidade do discurso do macho ferido (o que é dirigido para a "galeria" e o da confidência íntima), servido por uma bela melodia, por um magistral jogo entre metais e violinos e por uma voz arrebatadamente dorida... Soñando en Garibaldi evoca inspiradamente alguma da simbologia mariachi (Plaza Garibaldi, México, DF). Maldita sea é um programa de acção frente à mulher traiçoeira (ni una sonrisa más, ni una mirada... la deuda que nos deja un mal amor hay que cobrarla...). Como sucede noutros temas, a meio solta uma imprecação (naquele empolgante sotaque genuinamente mexicano...), a qual é aqui ainda mais visceral, se possível... Regalo transporta-nos para a paixão equestre do cantor e também para um dos mitos da revolução mexicana - Emiliano Zapata. O narrador, vendo que El Jefe (pronunciado com incisivo ênfase) se sentia atraído pelo seu cavalo, oferece-o em nome da causa. Era a criatura que mais estimava na vida. Morrerá numa batalha... Por fim, Solilóquio de un toro viejo, é bem original. Não é cantado, mas sim declamado em toada melancólica, contrastante com um fundo musical distante de mariachi parrandero. Desabafa o velho touro decadente, relembrando antigas glórias. Para escapar ao triste fim dos touros velhos (ahí dijo el caporal que por tanto haber vivido no cumplían su cometido procedamos a castrarlos a la engorda incorporarlos...) resolve fugir em busca de morte digna (yo prefiero en mis mogotes ser pasto de zopilotes pero sí morir entero). Deste modo se despede o álbum numa cabal demonstração de fantasia charra... ¡Arriba Don Chente!
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quinta-feira, abril 07, 2005

Mariachi y tequila (19)

Escreveu um dia o saudoso cantautor espanhol Carlos Cano:
"Nunca he conocido um país más grandioso y exagerado que Méjico. Pertenece a una realidad más cercana a la magia que a la tierra, por eso me gusta tanto. No tiene sentido de la medida. Como casi todo lo determinante, lo crudo, se desborda a sí mismo" (Carlos Cano in El color de la vida, 1996, pág. 40)"

quarta-feira, abril 06, 2005

Viagens (18): Picos de Europa / 2001 (11)

5º Dia – 8 de Abril (Domingo)(tarde)
O Barco de Valdeorras é uma cidadezinha encaixada entre entre montanhas. Tem uma aparência genuinamente galega. Aí almocei num restaurante popular, ouvindo entre os comensais o afável bon proveito.... Depois, no parque, junto ao rio, escutei, entre idosos, uma conversa em galego do mais puro.
Retomei o caminho por uma estrada que entra no extremo sul da província de Lugo - comarca de Monforte de Lemos. Estas foram terras do senhorio de Traba, o que me fez lembrar Dona Tarasia ou Teresa (mãe de D. Afonso Henriques), que nestes pagos de seu amante veio perecer. Em breve me encontrei com o rio Miño, que surgiu em fundo vale, com uma imponência desconhecida, largo e caudaloso. Com ele reentrei na província de Ourense.
Ourense é, pelos pergaminhos de uma vasta plêiade de intelectuais, o centro do galeguismo lusófilo. Aqui se fala o galego mais descastelhanizado e se encontram os mais numerosos e entusiastas defensores da ortografia portuguesa. Sabia que era uma cidade interessante, mas, na verdade, revelou-se mais interessante do que supunha... O centro situa-se numa encosta. A ligação entrea parte mais antiga e a mais comercial faz-se por uma animada artéria pedonal, a Rúa do Paseo. O enquadramento da cidade é magnífico, num amplo vale formado pela confluência do Barbanza com o Miño. Pena é que, como sucede nas cidades galegas, a periferia urbana seja algo desarrumada...
Tomei a autovía das Rías Baixas, que segue na direcção de Vigo. É grandiosa a forma como corre pelo vale do Miño, saltando de margem em margem. Na comarca de O Ribeiro detive-me em Ribadavia. Lembrei-me de um canto popular com que Amancio Prada abre Caravel de Caraveles: “O cantar do arrieiro é um cantar moi baixiño / cuando canta en Ribadavia, resoa n’O Carballiño”. Quase todos os amoladores são desta região; com a sua gaita, que chama a chuva da terra distante, com a sua morriña e com a sua desconfiança labrega, chegaram a Lisboa, Madrid, Barcelona, Buenos Aires. Foram trás a roda.... Ribadavia é a terra do vinho Ribeiro, de amoladores, taberneiros e carvoeiros emigrados – aquele tipo de gente que inspira aforismos como: “se encontras um galego a meio de uma escada nunca sabes se vai a descer ou a subir”.
Já o sol ia baixo quando entrei na comarca de O Condado, província de Pontevedra. Pernoitei nos arredores de Vigo, em O Porriño, num motel bem suspeito... Eram apartamentos com garagem, onde os carros ficam ocultos de olhares curiosos. Havia espelhos espampanantes no quarto e filmes porno em circuito vídeo interno. Em que divertidos equívocos pode cair um incauto, levado pelas omissões de um guia de cheques de hotel...

Galícia (3)

Vigo (Antes de 1939)
Estes postais são muito antigos, mas não tenho modo de saber a data a que se reportam. Seguramente são anteriores a 1939 (fim da Guerra Civil). Entre outras coisas dão a visão de uma cidade penetrada por muitos sinais do mundo rural envolvente. Para quem, como eu, a conhece bem, é divertido comparar estas imagens com as que me são familiares.
Vigo é a maior cidade da Galiza, mas a sua importância é relativamente recente. Na verdade, no início do século XX não ultrapassava muito, em número de habitantes, a vizinha Pontevedra, o que hoje parece inverosímil. Foi só com a incorporação de Bouzas, Lavadores e vários outros povoados limítrofes que se tornou na mais populosa cidade da Galiza. Reflectindo esta realidade, ainda hoje, a capital de província é Pontevedra, apesar de Vigo ser quatro vezes maior.
É uma cidade simpática que beneficia de um enquadramento natural magnífico. Contudo, "cheira a peixe", ou seja, é marcante a influência das actividades marítimas, nomeadamente a pesca, na sua vida quotidiana. É, destacadamente, o principal porto pesqueiro de todo a Europa. Não por acaso, tem aí a sua sede Pescanova. Contudo, muitas outras indústrias se foram instalando (por exemplo, a Citroën), fazendo desta cidade a mais industrial da Galiza.

Galícia (2)

Muxicas - Parolada (1982)
Este é o primeiro álbum de Muxicas, grupo de música tradicional que posteriormente alcançaria alguma projecção. Neste altura, porém, era ainda pouco mais de que um organizado passatempo de vizinhos que se dedicavam à música e a outras formas de cultura popular tradicional. Tinham surgido quatro anos antes, a partir do grupo Lembranzas Galegas. A imagem é a da capa do ábum. Aí todos aparecem ataviados como manda a tradição. A foto foi tirada no cimo de uma escadaria situada bem no centro de Vigo, próximo da Ribeira de Berbés.
A produção deste LP esteve isenta de requintes, constrangida por evidentes limitações, ou não se tratasse de grupo cuja expressão era ainda meramente local. Contudo, a sua qualidade advém da simplicidade de meios e está patente na forma despojada como abordaram um repertório tradicional ortodoxo. Há pouco artificialismo de folk céltico. Há, isso sim, tradição popular muito perto da efectivamente praticada enquanto tal. Há também competência no desempenho instrumental. O som proporcionado pelos dois gaiteiros é um dos mais vibrantes que já me foi dado ouvir - algo que se aprecia particularmente na arrebatadora Riveirana que encerra o álbum.
Uma nota final para o título Parolada, que nos pode soar mal. No Porto, por exemplo, a expressão parolo é depreciativa e qualifica alguém que vem da província e é ingénuo (equivalente a saloio, em Lisboa). Pois, é curioso que o termo parolo e o termo muito mais comum labrego permaneceram na Galiza com o mesmo objecto/significante, mas sem significado depreciativo.
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Galícia (1)

Galiza
Região Autónoma: Galícia (2.696.000 habitantes)
Capital: Santiago de Compostela (90.000) / Outras cidades: Vigo (293.000); A Coruña (237.000); Ourense (108.000); Lugo (88.000); Ferrol (78.000); Pontevedra (75.000).
Índice Paridades de Poder de Compra: 73,0 (Média UE25 = 100)
Províncias: Pontevedra (904.000); Ourense (365.000); A Coruña (1.096.000); Lugo (358.000).

A Galiza é a região espanhola com mais afinidades com Portugal. É um facto evidentíssimo. Até finais da Idade Média existiu uma unidade linguística e cultural com Portugal, atestada pelas cantigas de amigo. Contudo, desde então, a forma de falar a norte e a sul do rio Minho foram divergindo. O português evoluiu muito. O galego evoluiu menos e fê-lo em função da incontornável influência da língua oficial do estado, o castelhano. Até que ponto a divergência acabou por criar uma situação que torna artificial a noção de unidade linguística entre galego e português, na actualidade, é uma discussão em aberto... Sob o ponto de vista de temperamento colectivo são notórias também as afinidades entre galegos e portugueses, porém, o carácter dos galegos denota mais uma matriz rural, algo atávica e desconfiada. É uma região com vincada personalidade e com múltiplos atractivos, pelas suas belezas naturais (onde se destacam as rias) e pelas suas cidades (onde se destaca Santiago de Compostela). Também é riquíssima em tradições populares, sendo a sua música tradicional a mais rica de toda a Peninsula. Sempre se associou grande parte destas características a uma remota influência céltica. É, porventura, uma visão mitificada e romântica, mas, seja como for, existe um conjunto de afinidades com a Bretanha (França), Gales, Escócia (Grã-Bretanha) e Irlanda. Um dos elementos comuns é a gaita de foles, a qual, apesar das suas variantes, tem em todas estas regiões uma importância análoga.

terça-feira, abril 05, 2005

La Movida (7)

Golpes Bajos - Devocionario (1985)
Na breve trajectória de Golpes Bajos este é o terceiro e último álbum. É também aquele em que uma ironia mais radical se impõe, a começar pela desconcertante imagem da capa... Certo é que um espírito iconoclasta vinha então deixando muitos outros exemplos na cena musical pop/rock espanhola, mas aqui esse espírito assume uma feição mais consistente, pois todo o conteúdo (música e letras) alinha por uma candura angelical que torna o exercício irónico muito mais próximo da finura do que da boçalidade, como amiúde se verificava noutros grupos.
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La movida (6)

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Golpes Bajos - Todas sus grabaciones 1983-85 (1990)
O mais importante afluente da movida madrilena foi a movida viguesa. Com efeito, de Vigo vieram alguns dos grupos mais originais: Siniestro Total, Os Resentidos, de Antón Reixa; Semen Up, de Alberto Comesaña e Sérgio Castro (dos portuenses Os Trabalhadores do Comércio); Golpes Baixos, de Teo Cardalda e Germán Coppini. Destes últimos reuniu-se num duplo CD toda a sua obra, a qual se resume a três albuns editados entre 1983 e 1985. São apenas três álbuns, porém, foram importantes na história do pop/rock espanhol. Ainda hoje, ao ouvi-los, sente-se que é uma sonoridade que não ficou inexoravelmente datada. A voz de Germán Coppini, de exótica delicadeza, os arranjos de Teo Cardalda, assim como uma aguda ironia na pose e nas letras, configuraram um estilo que não mais se reencontrou, nem sequer na carreira a solo do primeiro ou na carreira do segundo no seu alter ego artístico Cómplices... Além do mais, a Golpes Bajos se devem algumas das canções identificativas do espírito de uma etapa tão criativa como foi a que se viveu até meados de 80: No mires a los ojos de la gente; Malos tiempos para la lírica; Escenas olvidadas; Santos de devocionario...
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segunda-feira, abril 04, 2005

Viagens (17): Picos de Europa / 2001 (10)

5º Dia – 8 de Abril (Domingo)(manhã)
A chuva parecia ter ficado definitivamente lá para trás da montanhas, nas Astúrias. A manhã, em León, surgiu com um céu impecavelmente azul. Não havia tempo para mais do que um passeio de carro pela cidade. Reforçou-se a noção da sua beleza e também da qualidade de vida que aí se desfruta – não falta espaço; a habitação é de qualidade; há boas infra-estruturas de lazer e cultura; tudo está inserido numa dimensão urbana ideal.
Já na estrada, ficando León para trás, contrastando com a extensa planura, viam-se ao longe cumes nevados. Paralelamente, seguia o mais importante sendeiro do Caminho de Santiago, por onde caminhavam peregrinos. Entrando na comarca de la Maragatería, contornei Astorga. Esta cidade fez-me evocar o Condado Portucalense, o senhorio de Astorga, enfim as remotas origens de Portugal. Já na autovía radial que liga Madrid à Coruña entrei na comarca de Bierzo. É uma região especial. Neste fértil vale já não estamos na austera meseta... A influência climática do Atlântico e cultural da Galiza dão a esta região mais ocidental da província de León um carácter próprio. Aliás, por aqui já se fala galego. Nos arredores da sua principal cidade, Ponferrada, nasceu o cantautor Amancio Prada, que se expressa tanto em castelhano como em galego.
Deixei a autovía e poucos quilómetros depois entrava na comarca de Valdeorras, província de Ourense, portanto, na minha querida Galiza. Parei na principal localidade da região, O Barco de Valdeorras, junto ao rio Sil.

sexta-feira, abril 01, 2005

Soulsville (4)

Isaac Hayes - Chocolate Chip (1975)
É o penúltimo álbum de Ike para a Stax e o primeiro da sua etiqueta Hot Buttered Soul. É também a última gravação com bom acolhimento na crítica e no mercado, antes de um efémero reaparecimento em meados dos anos noventa. Precede, portanto, um longo declínio. Dir-se-ia um dos último suspiros, mas... de grande fôlego. Longe, muito longe do luxo de produção de alguns anos antes - foi gravado quase improvisadamente e com escassos meios - Chocolate Chip é, contudo, pleno de garra e nele aparece em elevada dose um dos melhores atributos da sua música: a sensualidade, ou melhor, o erotismo... Este reveste quatro vertentes: as palavras (simples, mas mais que sugestivas... em vários temas), a ambiência (em Body Language), a melodia (em That loving feeling e muito especialmente no soberbo Come live wth me) e o ritmo (em Chocolate Chip).
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