sábado, dezembro 31, 2005

Tiro ao alvo (6)

Excesso de zelo
Espanha entra em 2006 começando a aplicar uma das legislações mais restritivas da Europa quanto ao tabaco. Que ironia! A mesma Espanha que esteve, no ano que ora termina, na vanguarda da aprovação dessa coisa indescritível que é o "casamento" entre homossexuais, vai agora situar-se na vanguarda de um certo puritanismo...
Eu não fumo e nunca fumei. Contudo, tal ocorreu de forma natural, sem que jamais desenvolvesse preconceitos quanto ao tabagismo. Em todo o caso, estou ciente que o tabaco pode fazer bastante mal, como muitas outras coisas, aliás (em rigor, se o zelo alastra com coerência, teremos os cenários do nosso quotidiano povoados de advertências "x, y ou z... mata!"). Seja como for, considero benéfico o processo de crescente consciencialização quanto aos malefícios do tabaco. Acho que é importante difcultar o acesso ao tabaco por parte dos menores e que devem existir campanhas de consciencialização. Tampouco me repugnam as alcavalas sobre o tabaco, desde que revertam estritamente para gastos com os sistemas de saúde. Contudo, entendo que neste processo se têm vindo a cometer exageros que denotam um execrável espírito puritano de desconfiança, senão ódio, aos prazeres da vida.
Para os fumadores, o tabaco é fonte de prazer e há que respeitar esse prazer! Além disso, o tabaco tem história e cultura atrás de si. Vastíssima e rica, deve-se dizer. Reduzi-lo à condição de mera droga é ignorância. Não sei se, eventualmente, em prol de mais algum zelo de "politicamente correcto", o governo de Zapatero se propõe rever a história de Espanha e ocultar um dos seus feitos: o papel destacado que o Império Espanhol teve na divulgação e promoção do tabaco. Aguardemos, já que o zapaterismo parece não conhecer limites de elementar bom-senso... Mas, queira-se ou não, o tabaco tem sido, efectivamente, fonte e pretexto de arte e cultura e tornou-se um signo de civilização, desde coisas quase transcendentes, como estar associado à inspiração artística, até coisas vulgares, como, por exemplo, ter sido um
pretexto para a melhor e mais criativa publicidade. Tem havido muita insensibilidade para isto. Temos um exemplo na infantil norma comunitária que obriga a pespegar tarjas macabras nos maços. Estropeou algo que merece não ser desconsiderado: o design dos maços de tabaco. É caso para nos inquietarmos sobre quanto tempo mais permanecerão imunes as gravuras impressas nas cintas dos charutos puros havanos - elegantes e artísticos elementos identificadores das diferentes marcas, repletas de tradição e pâtine. O certo, é que, por agora, os maços de tabaco já foram vitimados. Apreciá-los, livres de atropelos à sua estética, é já algo que figura no baú das recordações... Na véspera do dia em que a pele do touro vai sofrer uma esfrega puritana, aqui fica, no magnífico design de um maço Camel, uma singela homenagem aos fumadores espanhóis - enfim, não faltará muito para que sejam obrigados a passar à clandestinidade...

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Baúl de los recuerdos (10)

José Ramón Pardo - 1956 - 2005: Medio Siglo del Festival de Eurovisión (2005)
Na mais recente remessa que encomendei veio este simpático livro alusivo às bodas de ouro do Festival da Eurovisão. O autor é José Ramón Pardo, o qual, assim, consolida os seus méritos como uma espécie de historiador e sociólogo da música popular. Significativamente, foi editado pela sua Rama Lama Music, que se assume como uma editora temática multimédia. A edição de gravações antigas, feitas com critério e apresentação, tem vindo a ser uma imagem-marca da editora. O seu catálogo nostálgico tem resgatado das catacumbas a música popular espanhola dos anos 60 e 70. Aliás, nesta remessa veio também um magnífico exemplo deste catálogo discográfico, que, em breve, merecerá igualmente um post.
Note-se que, apesar do livro
estar, naturalmente, orientado para destacar as representações da Espanha, não deixa de ser um compêndio global, organizado por ano e com dados exaustivos relativos a todos os participantes. Dados estatísticos e anedóticos, de todo o tipo. É curioso saber, por exemplo, que o país mais generoso para a Espanha não tem sido Portugal, ao contrário do que se pensa (o autor refere explicitamente este facto) - estamos em segundo lugar, ex-aequo com outro país mediterrânico, a Grécia. O país mais generoso tem sido... a Suiça. Portugal deu, no total, à Espanha 125 votos e desta recebeu 132 - o que nos deve levar a concluir que os nossos vizinhos têm sido os mais indulgentes connosco... Por outro lado, estou em condições de aliviar a pátria de um temor: Portugal não é o campeão dos zero votos, nem, sequer, é campeão do último lugar, embora não esteja muito longe... Ambas as "lanternas vermelhas" pertencem à Noruega. Estas curiosidades fúteis, como outras análogas, quer sejam relativas a Portugal, quer sejam relativas a outros países, nos anos 60 e 70 excitavam a opnião pública e ilustram a dimensão do que chegou a ser um acontecimento mediático genuinamente pan-europeu.
Finalmente, há que referir que a apresentação gráfica é sugestiva, em forma de álbum. Em cada ano reproduz-se a imagem de um artista representativo ou da capa do disco de uma canção representativa, segundo o critério de ser espanhol ou o vencedor do certame.

Vintage (4)

A Família Bellamy (Upstairs, Downstairs) (Série I e II)
Nos tempos em que a televisão ainda não se tinha tornado tão desgraçadamente democrática era mais fácil produzir séries com a qualidade de Upstairs, Downstairs (Desabafo: ninguém de bom senso pode ignorar que, em muitos aspectos, democracia é sinónimo de mau gosto e ineficácia...). Se é certo que, apesar de tudo, a TV actual continua a fazer produções de qualidade, não é menos certo que estas têm agora menor visibilidade e chegam a mais escasso público. Os anos 70 talvez tivessem sido os anos de apogeu da televisão. Esta série é um argumento para sustentar tal tese. Seja como for, foi com produtos deste calibre que os ingleses adquiriram a fama de ser os mais exímios criadores de séries televisivas de qualidade. Algo que, note-se, não se restringia à BBC. Esta, por exemplo, foi da responsabilidade da London Weekend Television, que integrava o consórcio de emissoras privadas ITV, liderada pela Granada TV.
Nunca mais me esqueci da série, que seguira com devoção. Não me esqueci, sobretudo, das figuras do mordomo Hudson e da cozinheira Bridges. Revista agora, trinta anos depois, a série adquire mais atractivos. Ressalto, por exemplo, o encanto dos valores sociais não contaminados pelas ideias igualitaristas e socializantes, nomeadamente a noção de hierarquia, respeito e etiqueta. O mundo da criadagem tinha uma noção precisa do seu lugar no mundo, com uma esmerada ética servil, que não deixava de conter um certo orgulho. Algumas reflexões e advertências do mordomo Hudson, da cozinheira Bridges e, até, da criada de sala Rose denotam um sentido de realização pessoal através desses valores. Reflectem uma auto-consciência da função servil como peça de uma vasta engrenagem social, sem a qual, esta não funcionaria tão bem. Tudo isto é ilustrativo de como a sociedade inglesa de inícios do Século XX (a acção das Séries I e II situa-se antes da Grande Guerra de 1914-18) era uma sociedade liberal, mais marcada por valores aristocráticos do que por valores democráticos. Mas a genialidade consistiu não só em fazer chegar à ficção televisiva a realidade da sociedade inglesa dos tempos eduardianos, mas fazê-lo através de uma abordagem com envolvência humana, utilizando uma linguagem de emoções e valores que soube tocar todos os públicos.
De notar que há no DVD um documentário com interessantes informações, assim como há um sítio exclusivamente dedicado à série (The Upstairs Downstairs Web Pages) com informações extensas e detalhadas. Definitivamente, é uma série de culto...
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segunda-feira, dezembro 26, 2005

Tiro ao Alvo (5)

Livro: Jacques Barzun - Da Alvorada à Decadência: De 1500 à actualidade. 500 Anos de Vida Cultural do Ocidente (2000)
Ando sempre com um livro entre mãos. Pode ser um romance. Pode ser algum compêndio de estatísticas sociais ou futebolísticas... Mas, com mais frequência, pode ser um livro de história. É o caso deste. Aqui na Amadora, no Pigalle ou na esplanada do Rovidi estaciono amiudadas vezes para beber o café da praxe, mas o mais agradável é a leitura no meio do ruído ambiente. Resulta divertido estar, por exemplo, embrenhado no significado político das regras de etiqueta da corte de Luis XIV, enquanto ao meu lado um velho casal na sua rotina quotidiana de peregrinação à bica, faz o enésimo comentário amargurado à ordinarice do Herman... O exemplo até vem a propósito desta notável obra de um velho intelectual francês americanizado e que em saudável desplante exalta a superioridade do Ocidente e dá pistas para entender a sua actualdecadência. Nada de relativismos culturais; nada de lassitudes conceptuais! Barzun está-se nas tintas para o intelectualismo da esquerda europeia com os seus complexos de culpa, com as suas construções estruturalistas. Durante quase 500 anos a Europa Ocidental foi uma civilização superior (como antes outras o foram, naturalmente...). Ainda hoje o é, apesar de tudo. É algo tão evidente que se torna axiomático. Já nem me refiro àquilo que, por exemplo, Braudel designava como civilização material, já que qualquer enunciado estatístico elementar o comprova, mas às mais elementares realizações da arte, cultura, ciência e técnica.... Além disso, temos aqui uma escrita historiográfica à velha maneira. É um história feita com gente e factos e não tanto com artificiosas construções mentais elaboradas em prol de alguma tese apriorística. Enfim, que bom ter livros destes para ler.
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Jacques Barzun in Wikipedia

domingo, dezembro 25, 2005

Noites tropicais (9)

Laura Fygi - The lady wants to know (1994)
Gratíssima prenda de Natal esta! Na absurda dinâmica de prendas eis que, às vezes, caem coisas verdadeiramente importantes no sapatinho. Não conhecia Laura Fygi até há pouco. É holandesa e canta sobre repertórios cuidados e submetidos a tratamento jazzy. Não percebo porque outras vozinhas femininas muito jazzy e mutíssimo in têm uma projecção superior. Ou melhor, percebo, mas... é insensato. Em primeiro lugar, esta holandesa moreníssima (e belíssima!!!) tem uma voz fantástica - quente e grave, com um travo amargo. Das melhores que já me foi dado escutar! Depois, tal como se nota neste álbum, tem um repertório sábio que se espraia até onde as suas qualidades vocais podem ser ainda mais valorizadas. Predomina um clima de bossa-nova que impregna até muitos standards que marcam aqui também avultada presença. Como cereja no topo do bolo temos aquele que para mim é um dos melhores boleros de todos os tempos - Sabor a Mí, de Álvaro Carrillo. Que dizer deste Sabor a Mí na voz de Laura Fygi...? É demais! Enfim, neste Natal tão triste para mim, eis algo que me aconchega um pouco a alma...
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sábado, dezembro 24, 2005

Guia hispânico (18)

Espanha: Divisões administrativas
A divisão administrativa de Espanha está basicamente assente em comunidades autónomas, províncias e municípios. Destas três, só as províncias são directamente assimiláveis a uma divisão administrativa portuguesa. Correspondem aos distritos. Contudo, a dimensão média das províncias é superior à dos distritos. As comunidades autónomas só têm correspondência com as regiões autónomas insulares - Açores e Madeira. Os municípios espanhóis são um problema... Se nos ativéssemos aos municípios de Astúrias, Galiza e Canárias poderiamos dizer que havia correspondência com os municípios portugueses. Contudo, a situação dos municípios das outras comunidades remete-nos para uma realidade mais atomizada, chegando ao ponto, por exemplo, de que em Castela e Leão a correspondência a estabelecer seria mais com as nossas freguesias do que com os nossos municípios. Também se nota a falta da adopção generalizada por todas as comunidades de uma divisão intermédia entre município e província, correspondente ao que na Galiza e na Catalunha se designa como comarca. Em Portugal este última designação tem um carácter estritamente judicial, havendo, no entanto, para efeitos meramente estatísticos, uma divisão que é conhecida a nível do Eurostat como NUTS III, que está entre município e distrito - tal nomenclatura, em Espanha, é utilizada para as províncias. Conclui-se, portanto, que a divisão administrativa de Espanha não são não é coerentemente amologável à portuguesa, como apresenta incoerências internas.

domingo, dezembro 11, 2005

Salsa y merengue (13)

Índia: Sobre el fuego (1997)
No Amigo da Música dedicado à salsa, José Nuno Martins colocou no alinhamento um tema deste álbum, La voz de la experiencia - um dueto entre Celia Cruz e India que celebra uma espécie de passagem de testemunho da primeira (la reina de la salsa) para a segunda (la princesa de la salsa). Celia (recentemente falecida) era cubana, anti-castrista, radicada há muito nos EUA. India nasceu em Nueva York, de origem puertoriqueña. Este facto ilustra algo que José Nuno Martins soube magnificamente sintetizar: A salsa nasceu em Nueva York, mas não teria existido salsa sem Cuba. Quando digo Nueva York quero sublinhar que muito do que lateja nessa metrópole é vital manifestação de hispanidad...
Este é o melhor álbum de India. Não tem um tema absolutamente excepcional, mas, tampouco tem algum fraco. Quase todos são bons e constituem um conseguido pretexto para uma aparatosa manifestação de garra. A orquestração é vibrante e responde bem ao desafio de acompanhar voz tão pouco civilizada. Diria até que consegue aparar alguns excessos da cantora... E diga-se que esta assume aqui arrebatadamente, ainda mais do que até então, a imagem de fêmea furiosa. Por outro lado, o repertório ilustra uma outra característica da salsa - a sua plasticidade. Poucos géneros conseguem adaptar temas de géneros tão alheios. Ao fim e ao cabo, tudo (ou quase) é salserizável.
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Salsa y merengue (12)

Amiga atenta reincide em providenciais avisos. Assim reproduzo o recém-chegado:

"Esta semana O Amigo da Música é o amigo das Caraíbas. Salsa, merengue, rumba, etc... Para quem gosta e para os que não conhecem, mas gostam de novidades. Eu vou ouvir."

É já hoje, portanto.

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Castilla (13): Castilla y León

As minhas visitas a Salamanca
Visitei Salamanca duas vezes. Uma, em Abril de 1991. Outra, em Abril de 2003. Ainda estive mais uma vez em La Alberca, localidade situada na província de Salamanca, mas, na cidade propriamente dita, pois estive essas duas vezes e em ambos os casos a duração correspondeu a uma manhã. Na primeira vez vinha de Madrid e Ávila e seguia em direcção a Portugal, depois de ter atravessado a Espanha rumo a Valencia, Barcelona, Perpignan e Andorra, numa viagem de mais de uma semana. A segunda visita foi feita na companhia do meu amigo brasileiro mais a sua mulher - entretanto voltou à sua terra, casou-se e veio cá de férias. Nessa ocasião entrei na cidade por uma estrada secundária, vindo de La Alberca. Antes de atravessar o Tormes, parei na margem sul, junto à ponte romana e tirei algumas fotografias. A que ilustra este texto é uma delas. O destino da nossa viagem era a região cantábrica e o País Basco. Ainda nessa noite tencionava pernoitar em Riaño e, portanto, tratava-se de fazer apenas um reconhecimento da cidade. Ainda assim deu para estar quase 5 horas e a verdade é que nessa segunda vez acabei por ver mais coisas do que na primeira. Evidentemente que não deu para entrar em algum dos muitos monumentos, com excepção da Catedral. Confirmei que a Plaza Mayor (a de Salamanca bem se pode considerar a "mãe de todas as plazas mayores"...) é ainda mais espectacular ao vivo. Agradou-me muito a Rúa Mayor - curiosa a utilização do termo rúa (como na Galiza) para uma urbe castelhana... É uma artéria pedonal que liga a zona da Plaza Mayor à zona da Catedral. Tal como a generalidade das cidades espanholas, este tipo de artérias pedonais centrais desempenha uma função crucial na malha urbana. Há uma vida fervilhante em torno do comércio que aí está estabelecido e há animação, o que sucede aqui num grau elevado, graças ao turismo que a cidade atrai.

segunda-feira, dezembro 05, 2005

Castilla (12): Castilla y León


Salamanca
Nos campos castelhanos avistam-se longínquos campanários e torres senhoriais - autênticos marcos de referência num cenário de horizontes ilimitados. Aquela que será a torre mais imponente é a que corta o perfil de Salamanca - farol da cultura castelhana. A torre da catedral salmantina avista-se de longe e é um antecipado cartão de visita para uma cidade que se impõe conhecer e admirar!

sábado, dezembro 03, 2005

Mediterráneo / Mediterrània (28): Valencia

Urbàlia Rurana - A la banda del migjorn (1992)
Este grupo folk valenciano segue na mesma linha de Al Tall, partilhando ambos, aliás, o mesmo conceito de origem italiana, a riproposta. Com efeito, foram grupos italianos que teorizaram e levaram a cabo uma nova proposta para a música folk que assenta em avançadas formas de modernização e mestiçagem. Significativamente o grupo tem, ultimamente, integrado o ex-líder dos piemonteses La Ciapa Rusa, Maurizio Martinotti. Por outro lado, o seu repertório vai transcendendo cada vez mais o âmbito valeniciano e pan-catalanista, centrando-me num mais amplo contexto mediterrânico. Não é o caso ainda deste seu primeiro álbum, centrado numa temática localista, o qual, contudo, dá para patentear virtuosismo instrumental. Pena é que o trabalho de grupos como este estejam confinados a um universo restritíssimo, não só por se afastarem radicalmente de propostas comerciais, mas também, objectivamente, por um limitador confessionalismo político, ainda por cima, geralmente de feição radical...
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Boulevard nostalgie (20)

Christophe Barratier - Os Coristas (Les Choristes) (2004)
Eis um filme bonito que mereceria maior divulgação. É certo que não se pode dizer que seja um argumento original, mas a dedicação de um educador a um grupo de rapazes maus é um tema inesgotável.
No exercício das minhas funções de professor sigo uma espécie de máxima: jamais mercenário; jamais missionário! Contudo, a verdade é que no nosso sistema de ensino tão decadente e desorganizado, se não fosse a existência de algumas almas missionárias (ou quase) distribuidas por tantas escolas, as coisas seriam muito piores... Mas voltando ao filme. Há hoje a tendência para valorizar a originalidade e a ousadia, o que se compreende, porque a originalidade vai-se esgotando. Porém, as fórmulas convencionais continuam a suscitar muitos dos mais interessantes filmes. Não me estou a referir tanto ao rosário de sequelas com que a indústria de Hollywood vem abastecendo o mercado - muitas delas francamente oportunistas. Refiro-me, sobretudo, a cinematografias cada vez mais periféricas - a francesa é um bom exemplo. É certo que o cinema francês tem-me apresentado alguns dos filmes mais aborrecidos (muitos discursivos e intelectualizados), mas também, por outro lado, alguns dos mais interessantes. Este foi uma óptima surpresa!
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Guia hispânico (17)

Mapa dos dialectos catalães

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Boulevard nostalgie (19)

Robert Doisneau - Rue d'Alésia (Paris, 1968)

Robert Doisneau - Quai Branly (Paris, 1961)

Robert Doisneau - La Dernière Valse du 14 juillet (Paris, 1949)

Robert Doisneau - Les Enfants de la place Hébert (Paris, 1957)

Robert Doisneau - Les Amoureux aux poireaux (Paris, 1950)

Robert Doisnesu - Créatures de Rêve (1952)

Robert Doisneau - Baiser Blottot (Paris, 1950)

quarta-feira, novembro 30, 2005

Mediterráneo / Mediterrània (27): Valencia

Al Tall - Al Tall canta "Quan el mal ve d'Almansa" (1979)
O grupo Al Tall tem neste álbum um dos pontos mais altos de uma carreira dedicada à musica popular valenciana. Sucede que este trabalho desenvolve-se sob um conceito que se relaciona com as ocorrências da Guerra de Sucessão de Espanha, designadamente a batalha de Almansa (1707) (Um aparte para mencionar que Portugal teve uma destacada participação nesta guerra, ao lado, da Inglaterra, apoiando o Arquiduque Carlos de Áustria). Almansa, pela sua posição geográfica, era a tradicional porta de entrada na região valenciana para quem vinha da meseta castelhana. Aí se deu esta batalha que ganhou carga simbólica: a perda das liberdades forais do Reino de Valencia. Movimentos radicais pan-catalanistas têm-se esforçado por conferir um significado ainda mais profundo: o da perda de uma certa unidade e auto-governo de uma realidade que designam como Países Catalães. Al Tall está próximo desta perspectiva, mas deve-se sublinhar que é, hoje em dia, uma perspectiva minoritária na sociedade valenciana, onde o nacionalismo é inexpressivo e onde impera o regionalismo, que tem assumido uma feição anticatalanista. Nesta linha, os estereótipos da identidade valenciana têm acarinhado até à exaustão os elementos folclóricos, sublinhando neles aquilo que, segundo a sua interpretação voluntarista, os diferenciam do que é catalão. Em todo o caso, desta linha ideológica não veio jamais um trabalho sério dentro da música popular como o que Al Tall tem desenvolvido e, muito menos, alguma abordagem conceptual do calibre daquela que o álbum aqui em apreço demonstra. Deste e de outros álbuns do grupo ficamos com uma ideia de que a música popular valenciana está num lugar de intercepção entre a alegria da jota aragonesa, o virtuosismo instrumental catalão e o vigor telúrico de percussões berberes.
Um nota final para o que o cavalo da capa e contra-capa sugere: a estátua equestre do caudillo no centro da cidade de Valencia - a mais imponente de todas as que existiram em várias cidades espanholas. Em devido tempo foi retirada - precisamente por altura da edição do álbum. Há aqui uma analogia entre o primeiro rei da dinastia Bourbon, Filipe V, vencedor de Almansa, com o descavalgado caudillo - uma espécie de vingança da história...
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Mediterráneo / Mediterrània (26): Valencia

Da região valenciana conheço a sua capital e a região costeira da Província de Castelló. Estive duas vezes em Valencia - a primeira em 1986, durante três dias; a segunda em 1991, de passagem. Embora longe de ser desprovida de atractivos, não me apaixonou. Valencia, capital, é uma cidade simpática e alegre, mas de dimensão superior à que à primeira vista se possa pensar. O ar camponês patente nas descrições de um romance de Blasco Ibañez, La Barraca, já não tem, como é evidente, a mesma validade. Esse romance foi o meu primeiro contacto com a realidade valenciana, que me fez saber em que consistia a sociedade camponesa da Horta, assim como me fez aperceber a existência do idioma valenciano. Ainda hoje a comarca em que está inserida a cidade se conhece como L'Horta e, não obstante a mancha urbana abranger mais de 1.000.000 de habitantes, os campos de laranjais penetram ainda pela sua periferia.
Quanto à questão idiomática, pois aí aflora um típico radicalismo espanhol... Qualificar o valenciano como dialecto catalão, algo evidente para qualquer descomprometido observador, pode ser fonte de discussões, dado o regionalismo ultramontano que muitos valencianos alardeiam, ciosos dos seus particularismos. Mas, na prática, trata-se de catalão pronunciado com fonética castelhana, o que é lógico, dado que a maior parte da região foi povoada por catalães após a Reconquista. Deste facto têm orgulhosa consciência outros valencianos... Grupos folk locais como Al Tall e Urbàlia Rurana dão conta desta matriz histórico-cultural de origem catalã, a qual se apresenta mesclada, de forma original, com influências muçulmanas. As famosas Fallas, em Março, fazem parte desta identidade. É uma festa de fogo e petardos que, tanto quanto, a paella, constitui um dos seus mais visíveis traços de identidade. Outros existem, menos conhecidos, mas igualmente curiosos, como a afición pela música, que faz com que floresçam por todo o lado bandas sinfónicas. Não admira, por isso, que seja terra de pasodobles e cantores (Conchita Piquer, Nino Bravo...) - Um aparte para referir que o hino de Valencia é tão bonito como a sua bandeira. Noutro plano, é também a terra do bakalao - estranha designação que em Espanha é dada à música de discoteca. Aqui proliferam discotecas e estão estabelecidos alguns dos mais famosos DJs.
Outras coisas existem, bem menos edificantes e a menor das quais não será a destruição de parte das belezas naturais do litoral por empreendimentos urbanísticos de gosto duvidoso. Benidorm é o mais lamentável exemplo. Essa, enfim, é a Espanha que nunca me interessou...

segunda-feira, novembro 28, 2005

Mediterráneo / Mediterrània (25): Valencia

Comunitat Valenciana / Comunidad Valenciana

População: 4.470.885
Índice Paridades de Poder de Compra (Média UE25 = 100): 89,0
Idiomas: Castelhano; Catalão (Valenciano)
Capital: València/Valencia

Províncias: Castelló/Castellón (CS) (484.566); València/Valencia (V) (2.216.285); Alacant/Alicante (A) (1.461.925)

Principais cidades (Província) / Nível Económico (1-10) - População
Valencia/València (V) / 8
761.871
Alicante/Alacant (A) / 5
293.629
Elche/Elx (A) / 4
201.731
Castelló/Castellón de la Plana (CS) / 8
153.225
Torrevieja (A) / 5
69.763
Torrent de l'Horta (V) / 5
67.393
Gandia (V) / 7
62.280
Benidorm (A) / 6
61.352
Orihuela (A) / 4
61.018
Alcoy/Alcoi (A) / 4
60.465
Sagunto/Sagunt (V) /6
57.741
Elda (A) / 4
53.103
Villarreal/Vila-real (CS) / 7
43.595


Guia hispânico (16)

Espanha: Províncias

quarta-feira, novembro 23, 2005

Castilla (11): Castilla y León

Segovia
Segovia é uma das cidades que mais aprecio. Visitei-a por duas vezes. Ambas foram visitas curtas. A primeira foi há cerca de dez anos, numa incursão a Madrid, em finais de Janeiro. A segunda foi há pouco mais de três anos em finais de Julho, também numa viagem a Madrid. O facto da cidade estar situada apenas a cerca de 60 km da capital, torna-a numa oportuna visita complementar.
Da primeira vez, fui com um grande amigo brasileiro, um paulista castiço, que esteve a trabalhar cá em Portugal como técnico informático durante meia dúzia de anos e que, infelizmente, um dia resolveu voltar para a sua terra. Fomos no meu carro só os dois. Eu com o objectivo rotineiro de comprar livros e discos. Ele com o objectivo de conhecer mais alguma coisa da Europa, para além de um pequeno país que, por obrigações profissionais e facilidade em estabelecer amizades, já começava a conhecer razoavelmente. Pelo caminho tive oportunidade de lhe demonstrar como Estremoz e Elvas eram admiráveis. Depois, atalhando pelas desinteressantes paisagens da Extremadura, só paramos para almoçar num restaurante de estrada perto de Talavera de la Reina. Em Madrid cumpriu-se ainda nesse dia e no seguinte, o plano de escrutínio por livrarias e lojas de discos. Mesmo assim ainda deu para marcar o ponto no Museu do Prado. No dia seguinte, sábado, pôs-se três hipóteses: Toledo, Escorial ou Segovia. A opção por esta última não se deveu tanto ao facto de enriquecer o meu inventário de lugares conhecidos, como ao facto de o caminho poder, eventualmente, proporcionar ao meu amigo a inédita visão de neve. Com efeito, era pelo Puerto de Navacerrada que eu queria ir, tanto mais que, logo a seguir, estava o Palacio Real de La Granja. Infelizmente, o Inverno ia invulgarmente seco e nos cumes da Sierra de Guadarrama a neve era pouca. Ainda assim, ele teve oportunidade de sentir entre os dedos alguns flocos de neve.
Atrasámo-nos tanto no alto da serra que não paramos em La Granja. Com efeito, pretendendo estar de volta em Madrid às 5 e querendo passear com detença pela cidade do Aqueduto, achei que era justificável tal grosseria. Mal sabia eu ainda que iria penar uma hora, cirandando por estreitas ruas da cidade em desesperada busca de um lugar de estacionamento… Se sempre me considerei aselha para detectar lugares de estacionamento, neste caso concreto, havia ainda a necessidade de deixar o carro num lugar central, visto o meu amigo ter problemas de locomoção. Não vou dar conta das belezas específicas da cidade, que sendo pequena, tem uma elevada concentração de monumentos admiráveis. Vou apenas sublinhar quatro aspectos: frui o seu carácter genuinamente castelhano; deliciei-me com um estupendo cordero asado num mesón da Plaza Mayor; encantei-me com uma panorâmica estratégica do Alcázar; emocionei-me com a visão dos campos de Castilla que começam onde a cidade acaba.
A segunda visita foi também no meu carro, nas na companhia do meu filho e de um casal amigo e vizinho. O caminho de ida foi o mesmo, só que, detive-me em La Granja (magníficos jardins!), a estadia em Segovia foi mais abreviada e, depois, segui para Pedraza de la Sierra, mais para o nordeste da província. A villa é belíssima e também aí comi um notável cordero asado. Infelizmente, não tive tempo para ir a Turégano e Sepúlveda, como tencionava, mas, mais ainda do que na vez anterior, pude admirar a grandeza (em todos os sentidos) dos campos de Castilla.

terça-feira, novembro 22, 2005

Para siempre boleros! (13)

Gostei de O Amigo da Música dedicado ao bolero. Os temas seleccionados eram todos, pelo menos, bonitos. Nestas matérias, porém, é difícil satisfazer os mais exigentes. Para mim, subjectivamente, pecou pela falta de certos artistas que pessoalmente prefiro e objectivamente pecou por ser uma selecção de escassa representatividade. Entre os consagrados apenas foram incluídos Lucho Gatica e Los Panchos. É difícil imaginar um programa deste tipo sem Armando Manzanero, Olga Guillot, Tito Rodríguez, La Lupe, Antonio Machin... Por outro lado, torna-se difícil entender a ausência de alguns dos mais míticos boleros: Inolvidable; Tú me acostumbraste, Esta tarde vi llover, Bésame mucho; La Barca; Solamente una vez.... Contudo, o programa teve o mérito de lembrar que existe um território do bolero cantado em português, com sotaque do Brasil. Território marginal, é verdade, mas nem por isso susceptível de ser ignorado... Dick Farney, Cauby Peixoto e, obviamente, O Rei - Roberto Carlos. E pensar que ficaram de fora Miltinho, Agnaldo Timóteo e Ângela Maria, sem contar que a própria Elis tinha um bom punhado de boleros no seu repertório... Mas, voltando a Roberto Carlos, é necessário ter em conta que tem, ao longo da sua vasta discografia, bem mais do que um punhado de boleros, é certo que geralmente não identificados como tal, mas com sabor e cadência bem próprios do género. Café da Manhã, o tema de Roberto Carlos escolhido por José Nuno Martins, assim como o tema cantado em duo por Ana Belén e Antonio Banderas foram os pontos mais altos da selecção.

domingo, novembro 20, 2005

Salsa y merengue (11)

Albita: No se parece a nada (1995)
Foi de modo invulgar que pela primeira vez ouvi Albita Rodríguez. Em 1997, em matéria de rádio, já praticamente me limitava à rádio espanhola (via satélite). Contudo, um dia de manhã, em casa da minha mãe, onde normalmente preparava as aulas acompanhado pela TV, já não sei por que razão, ela aborreceu-se com A Praça da Alegria (que tanto apreciava) e pediu-me para ligar o rádio. Ficou na Antena 1, num programa que então Joaquim Letria tinha, onde se intercalavam os seus comentários com intervenções de ouvintes e algumas músicas. A minha mãe tomou gosto ao programa e durante alguns dias teimou caprichosamente por esta alternativa à TV. Sucede que Joaquim Letria alardeava uma demagogia e populismo que me eram pouco simpáticos, mas tinha um gosto musical interessante. Assim, manhã após manhã, deu-me a conhecer uma voz salsera feminina que me empolgou e me intrigou. Não descansei enquanto não descobri quem era. Deduzi que só poderia tratar-se de uma edição discográfica de uma multinacional, com distribuição no nosso mercado. Passado uns dias já sabia quem era e, após exímia prospecção, já tinha comprado três CDs dela, incluindo aquele de onde Joaquim Letria sacara alguns temas. O CD era precisamente No se Parece a Nada - uma produção de Miami, chancela Estefan. Vim depois a reunir informações sobre a cantora.
Antes de mais, quando ouvira aquela voz poderosa, imaginei-a no corpo de alguma mulatona cubana. Acertara na proveniência, errara grotescamente no restante. Albita Rodríguez parecia ser... albina! Tudo era de uma extremada lividez na sua aparência física, em flagrante contraste com a textura da sua voz e música. Além disso, tinha um estilo descaradamente andrógeno. Por estas razões poderia ser considerada a imagem mais desconcertante da salsa. O pretérito justifica-se, pois as imagens mais recentes deixam entrever mudanças radicais... (como se pode atestar no seu sítio oficial)
Albita foi em tempos, segundo parece, a artista favorita de Fidel Castro. A sua fuga para Miami deve ter tido, por isso, mais impacto do que a causada pela esmagadora maioria da legião de artistas exilados, desde o tempo em que os barbudos desceram da Sierra Maestra...
Os álbuns de Albita da fase cubana atestam bastante qualidade. Os da fase Miami demonstram vantagens e desvantagens. Os grandes meios muitas vezes não conseguem suprir a falta de alguns atributos genuínos. Contudo, este álbum (o primeiro dessa fase) é muitíssimo bom, composto por uma série de temas salseros muito quentes, entrecortados por um delicioso bolero. A orquestração é espectacular e mais espectacular ainda é a poderosa voz de Albita, a albina mais negra do planeta!
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sexta-feira, novembro 18, 2005

Para siempre boleros! (12)

Paradoxos pessoais - Tenho equipamento receptor digital (via satélite) de todas as grandes emissoras de França, a maior parte das de Espanha e algumas de Itália, mas não disponho de nenhum simples receptor FM ligado ao meu Audiolab... Para ouvir rádio de cá, só no meu Creative Zen Micro, de bolso ou... no carro. E, no entanto, houve um tempo em que não prescindia da nossa rádio, desde as selecções de José Freire (com ele ouviam-se bons fados e também... boleros de Manzanero...) até aos imperdíveis programas de José Nuno Martins, como Os Cantores do Rádio, porta grande para o universo da MPB. O tempo passa e o savoir-faire, a competência, o enciclopedismo, a locução expressiva e colocada de José Nuno Martins parecem-me já desfasadas da nossa rádio actual, cada vez mais estandardizada, sem imaginação, arte, cultura ou simples bom-gosto. Saber que neste lugar sem alma ainda pode haver um lugarzinho para bolero é reconfortante e ainda mais pela mão de um JNM retornado às lides!
Vaya noche bajo el signo del bolero! Acabado de regressar a casa há pouco, do trabalho esgotante, jantando à meia noite e meia, ligo a TV na SIC Notícias e assaltado por novas do défice, anúncios de greves inúteis e declarações de candidatos presidenciais pamplinescos, fujo em direcção ao Canal 41 da TVE Internacional e que vejo eu? A cara índia e a voz rouca do grande Armando Manzanero proclamando que tem 70 anos e compõe desde os quinze. Depois, chego aqui ao meu PC e encontro este grato aviso de uma amiga... Domingo estarei de prevenção.

sábado, novembro 12, 2005

Galícia (8)

Alejandro Amenábar - Mar Adentro (2004)
Sobre este filme que acabei de ver não me vou centrar no mais importante, que é, evidentemente, a questão da eutanásia. Vou centrar-me em alguns aspectos secundários. Quero, contudo, esclarecer que o meu sentido de vida, de inspiração católica, não me obriga necessariamente encarar o filme como uma mera peça propagandística ao serviço da causa da eutanásia. Interpreto-o como um exercício de entendimento da perspectiva de Ramón Sampedro. Muito discutível, mas pertinente. Considero que a única cena demagógica é o caricato diálogo entre o tetraplégico jesuíta e o tetraplégico protagonista. Tudo o mais parece-me sério. Considero o valor da vida, um valor supremo, mas seria hipocrisia não assumir que esse valor implica uma dimensão qualitativa. Ou seja, acho que há situações excepcionais em que esse valor pode não prevalecer.
Há aspectos muito bem conseguidos no filmes. Um deles é o cenário humano em que a história se desenrola. Consegue traçar um retrato adequado de um certo ambiente galego. Curiosamente, quando há três anos estive pela última vez na Galiza, ao passar na estrada marginal, entre Cambados e Vilagarcía de Arousa, avistei, do outro lado da ría, Boiro. Não sabia, como fiquei agora a saber, que fora lá que Sampedro conseguira morrer, mas sabia que, nessa zona (Barbanza), ficava Xuño, a aldeia onde vivera. Disso não só me lembrara, como, julgo, que tive ocasião de o mencionar a alguns companheiros excursionistas. Essa remota aldeia foi nos anos 90 destino de muitos repórteres que aproveitaram a sensação de uma história insólita. É uma zona paradigmática da Galiza profunda. Terra de mariñeiros e labregos, gente aventureira e desconfiada. O desafio de Sampedro foi tanto mais invulgar quanto surgiu numa realidade social tradicionalista e conservadora. Esta envolvência é desenhada no filme, desde a paisagem ao vestuário, passando pela linguagem - são muitos os diálogos em galego, por exemplo. A música sublinha a envolvência galega.
Uma nota final para reconhecer que, de facto, aquele que é o ponto mais alto do filme, sob o ponto de vista artístico, é a interpretação de Javier Bardem.
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quarta-feira, novembro 09, 2005

Para siempre boleros! (11)

Francisco Céspedes - Vida loca (1997)
Num território de confluência entre o jazz e a balada latina, encontra-se na voz e no estilo do cubano Pancho Céspedes uma via de modernização do bolero. O bolero nasceu em Cuba. Tem lógica que cubanos estejam na vanguarda do género. Este, no México, Gloria Estefan em Miami, Lucrecia em Barcelona podem ser diferentes possibilidades de modernização do bolero. Céspedes está radicado no México. Tem uma voz magnífica - enrouquecida mas ressonante. O seu estilo pode ser adjectivado como cool, envolvido por orquestrações sóbrias, assentes no piano. Do bolero conserva alguma cadência, a pose diletante e letras de paixões dilaceradas.
Este foi o seu primeiro álbum e foi uma entrada fulgurante, pois teve êxito comercial e não deixou de obter imediato reconhecimento da crítica. Temas como o que dá título ao álbum e Pensar en Ti tornaram-se quase clássicos modernos da música latina.
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segunda-feira, novembro 07, 2005

Baúl de los recuerdos (9)

La vida cotidiana en la España de los 60 (1990)
Este livro em formato de álbum de recordações faz parte de uma colecção, La Vida Cotidiana en la España de los..., organizada por decénios. Ignoro todas as décadas que abrange, pois em lugar algum deste volume, como do outro que tenho, referente aos anos 40, encontro informações sobre os restantes. Não é uma obra de carácter historiográfico ou sociológico. É um despretensioso catálogo ilustrado sobre alguns aspectos mais apelativos da memória colectiva, nomeadamente figuras mediáticas do espectáculo, desporto e outros acontecimentos de impacto. As análises aparecem em género de artigo de jornal ou revista e tudo decorre num plano evocativo. Sintomático é o destaque dado a canções marcantes, as quais aparecem sob a rubrica Las Canciones de una Época.
Comprei os dois volumes, em 1996, na Livraria Alcalá, no Chiado. Era então o único local dedicado ao livro espanhol em Lisboa. Nunca mais lá voltei e tampouco me lembro se havia outros volumes. Se assim foi, a minha escolha não foi isenta de critério. Da década de 50 recebi um manancial de informações sobre a vida em Espanha, através das histórias das muitas viagens que o meu pai fez. Apesar de conhecer Madrid e Barcelona, de antes da Guerra Civil, foi, sobretudo, nos anos 50 que, ao volante do seu garboso Studebaker, percorreu a pele do touro de lés a lés. Gozava então de um certo estatuto, alguma fama e desafogo financeiro. O arquitecto Edmundo Tavares podia assim permitir-se um privilégio que nem mesmo o posterior turismo massificado trivializou, o de se meter a conhecer, de facto, com profundidade, um país que o apaixonava tanto como a sua cidade de eleição, Paris, onde fizera estágio no início dos anos 20. Ser turista numa época em que o turismo era para uma elite, tem pouco a ver com a moderna e democrática noção de viajar. Não passava pela cabeça de um turista pôr-se a torrar ao sol de alguma praia. Havia, isso sim, ansiedades culturais e artísticas bem contrastantes com as que hoje em dia imperam entre a turistagem de meia tijela. O meu pai, nas suas narrativas, evocava aspectos pouco enquadráveis naquilo que hoje em dia parece ser merecedor de evocação de viagem. Entre muitas coisas, descreveu-me as llanuras castellanas e o carácter castellano de uma forma impressivamente contrastante com o modelo dominante entre nós. Fez-me viajar com ele desenhando trajectórias num mapa Michelin, detendo-se sempre em determinados lugares para repetir algumas histórias. A que mais recordo foi a da mula morta, perto de Medinaceli. A caminho de Madrid, vindo de Zaragoza, numa estrada em mau estado, após um curva, depara-se, no meio do pavimento, uma mula morta e no ar, voando em circulos, um par de abutres. Moscas e mau cheiro empestavam o ambiente. Era a imagem de um país ainda mais pobre que Portugal, mas dotado de uma grandeza dramática de carácter, onde não havia lugar para meias-tintas e havia, para o bem e para o mal, intensidade e cor. Da desolação dos páramos sorianos à imponência incipiente da Gran Via, sempre agitada, onde pontificava o Pasapoga, o meu pai pintou-me uma certa Espanha dos anos 50. Quando, enfim, por mim, me deitei a conhecê-la, já se estava na década de 70. Apesar de um cenário urbano onde pontificavam monocordicamente os pobres Seat, era uma sociedade visivilmente já mais desenvolvida que a portuguesa, mas, sobretudo, com a tal animação e intensidade que parece que lhe é inerente. Ficou-me, de algum modo, um hiato por preencher - o que estava no meio, nessa Espanha descrita pelo meu pai e aquela que eu encontrara. O hiato era a década de 60.

sexta-feira, novembro 04, 2005

Noites tropicais (8)

Elis Regina / Tom Jobim - Elis & Tom (1974)
Que dizer de um álbum destes? Quem não o conhece vive nas trevas. Dois génios juntam-se e dá nisto... Ontem, um amigo meu sugeriu-me que seria adequado dedicar um post a este que ele crisma como "o álbum dos álbuns" e dei por mim a dar-me conta como é bom reouvi-lo com regularidade para exercitar a sensibilidade e a emoção... Muito se pode dizer sobre Elis e Tom Jobim. Vou limitar-me a levantar algumas pontas marginais: 1 - Há algo de canalha na voz de Elis; 2 - Há uma encantatória cadência melódica na inspiração jobiniana, digamos, uma intrínseca brasilidade; 3 - Há, no final de Águas de Março uma displicente e cúmplice risada que traduz um espírito de arte pelo prazer, ao qual os espíritos finos e tocados pela graça acedem com naturalidade; 4 - Há ainda a voz de Tom, frágil e sempre no fio da desafinação, que soa aqui e ali de forma oportuna numa demonstração de como a perfeição não dispensa adoráveis imperfeições...; 5 - Há, enfim, Inútil Paisagem, que encerra a função, e é entre tantas jóias, a minha jóia preferida, a mais eloquente tradução musical do abandono e da solidão amorosa...
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terça-feira, novembro 01, 2005

Guia hispânico (15)

Tendo como fonte os dados do Anuario Económico de España (La Caixa) estas são, entre as cidades com mais de 50.000 habitantes, as 25, com, respectivamente, melhor e pior nível de vida (escala de 1 a 10):

10 Barcelona
10 Bilbao (Vizcaya)
10 Pamplona/Iruña (Navarra)
10 Donostia-San Sebastián (Guipúzcoa)
10 Lleida
10 Alcobendas (Madrid)
10 Getxo (Vizcaya)
10 Girona
10 Pozuelo de Alarcón (Madrid)
10 Las Rozas de Madrid (Madrid)
10 Sant Cugat del Vallès (Barcelona)
10 Majadahonda (Madrid)
09 Madrid
09 Vitoria-Gasteiz (Álava)
09 Burgos
09 Tarragona
09 Irún (Guipúzcoa)
09 Segovia
08 Valencia
08 Zaragoza
08 Palma de Mallorca (Illes Balears)
08 Valladolid
08 Oviedo (Asturias)
08 Santander (Cantabria)
08 Castellón de la Plana/Castelló
(...)
05 Torrelavega (Cantabria)
05 Fuengirola (Málaga)
05 Puertollano (Ciudad Real)
04 Málaga
04 Elche/Elx (Alicante/Alacant)
04 Badajoz
04 Cádiz
04 Dos Hermanas (Sevilla)
04 Parla (Madrid)
04 Lorca (Murcia)
04 El Puerto de Santa María (Cádiz)
04 Chiclana de la Frontera (Cádiz)
04 Orihuela (Orihuela)
04 Alcoy/Alcoi (Alicante/Alacant)
04 Alcalá de Guadaira (Sevilla)
04 Elda (Alicante/Alacant)
04 Mérida (Badajoz)
03 Santa Lucía de Tirajana (Las Palmas de Gran Canaria)
03 Jerez de la Frontera (Cádiz)
03 Algeciras (Cádiz)
03 San Fernando (Cádiz)
03 La Línea de la Concepción (Cádiz)
03 Vélez-Málaga (Málaga)
03 Motril (Granada)
02 Sanlúcar de Barrameda (Cádiz)

domingo, outubro 30, 2005

Complexo de Aljubarrota (4)

Oliveira Martins (1845 - 1894)
Mais coerente e mais programático é o iberismo de Oliveira Martins. De um modo geral as propostas iberistas têm surgido mais frequentemente de correntes ideológicas situadas à esquerda. O socialismo federalista iberista de Oliveira Martins é, neste contexto, ainda, a mais influente de todas as propostas iberistas que alguma vez a intelectualidade portuguesa produziu.

Complexo de Aljubarrota (3)

António Sardinha (1887 - 1925)
Se alguém dentro da intelectualidade portuguesa parece ter estado imune a um complexo de Aljubarrota foi António Sardinha. Contudo, o seu iberismo merece ser analisado com mais detalhe, na medida em que mais do que assente numa teoria de integração política ibérica, parece assente, isso sim, numa atracção pela história e cultura de Espanha, em particular de Castela. Parece que tal se desenvolveu na sequência da sua fuga para Espanha que lhe permitiu conhecer pessoalmente uma realidade que não deixou mais de exercer sobre ele poderosa atracção. Para além desta prevenção, há que ter em conta que o movimento político-cultural em que participou, o Integralismo Lusitano, pode ser considerado, em aspectos essenciais, contraditório com este sentimento iberista. Seja como for, as suas ideias sobre a História dos povos ibéricos de algum modo fazem parte de uma concepção que será, mais tarde desenvolvida por, entre outros, Ramiro de Maeztu.

American Dream (4)

CD: Bob Dylan - John Wesley Harding (1967)

Toda a crítica qualifica muito bem este álbum de Bob Dylan. Contudo, permanece como um dos mais ignorados em toda a sua vasta discografia. Compreende-se que não tivesse atingido a projecção dos três extraordinários que o antecedem e, sem discussão, os mais brilhantes (com permissão do posterior Blood on the Tracks...), mas não mereceria a penumbra em que acabou por estacionar. Depois ter atingindo, fulgurantemente, a fama com os três álbuns que correspondem ao período de apogeu de toda a sua carreira discográfica, Dylan tem um período de afastamento da ribalta. É também nesse período que sofre um acidente de mota. A fase parece ter sido algo turbulenta. Reaparece em 1967 com este álbum, de uma extraordinária simplicidade meios, que parece uma renúncia ao rock/folk e um retorno às origens, ao folk acústico. Dylan na guitarra e com a sua harmónica, mais um discretíssimo acompanhamento de bateria singela e baixo. Em dois temas há uma guitarra adicional. É tudo! É um trabalho melancólico e bucólico. Na capa aparece entre índios e as letras parecem parábolas bíblicas. Uma cabal demostração de como a simplicidade de meios pode ser eficaz. Três temas a destacar: All along the watchtower (será recriado de forma radicalmente eléctrica, em memorável versão, por Jimi Hendrix em Woodstock); The ballad of Frankie Lee and Judas Priest; I'll be your baby tonight.

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Geografia íntima (18)

A minha casa no Google Earth
Todos os que vivam em áreas para as quais o Google Earth tenha o mesmo elevado nível de detalhe podem fazer isto que eu fiz: detectar a minha casa... desde o espaço, aproximando-me progressivamente. Eis-me, portanto, no centro da Amadora, bem perto da linha de caminho-de-ferro.

sábado, outubro 29, 2005

Galicia (7)

Vigo no Google Earth
Foi a primeira cidade de Espanha que eu conheci e também a que mais vezes visitei (para aí mais de uma dúzia...). Vista do ar não dá para perceber imediatamente a sua orografia acidentada, mas dá para perceber o seu carácter portuário e o facto de estar virada a Norte. Quase no centro está uma mancha verde que é o Monte Castro. Daí tem-se uma panorâmica privilegiada sobre a cidade e a ria. Mas não é a única panorâmica possível, pois há mais um outro importante miradouro sobranceiro à cidade e outros mais afastados.
Vigo é capital de lugar nenhum, pois não é, nem nunca foi, sequer, capital de província. Contudo, é a maior cidade da Galiza, com os seus quase 300.00 habitantes e, de longe, o centro industrial mais importante de toda essa região. Pertence à categoria de cidades com El Corte Inglés e aí, desde a sua inauguração, é rotina tropeçarmos em compatriotas com a pronúncia do Norte. Mais do que qualquer outra coisa esse tem sido o pólo de atracção para os visitantes de aquém-Minho. Apesar de não possuir importante património monumental, essa peculiar obsessão prejudica que se aprecie coisas bem interessantes, como alguns exemplos de uma arquitectura imponente em edifícios centrais, uma extensa artéria para uso exclusivo de peões (Rúa do Principe) e, sobretudo, um magnífico enquadramento natural, onde pontificam a ria, as serranias vizinhas e as Ilhas Cíes. Também há outros aliciantes como a elevada possibilidade de se comer bem e relativamente barato (sobretudo mariscos) e a não de todo remota possibilidade de, em alguma taberna sobrevivente, se escutar um galego escorreito e um som de gaita galega...

sexta-feira, outubro 28, 2005

La movida (13)

Semen Up - Los estás haciendo muy bien y otras canciones peligrosas [1996 (1985+1986)]
Este CD reúne quase toda a produção de Semen Up, que foi, portanto, escassa. Corresponde a dois mini LPs editados em 1985 e 1986. Foi uma produção escassa, mas de impacto, além de que ganhou ainda maior relevância pelo facto da figura central do grupo, Alberto Comesaña, ter tido, depois, uma projecção mediática nos anos 90, como membro do duo Amistades Peligrosas. Semen Up insere-se na tendência provocatória que sustentou uma boa parte da movida. Porém, ao contrário da maioria dos exemplos desta tendência, não deixou de apresentar cuidados musicais. Em parte, certamente, porque integrou uma vaga tardia dentro da movida. É o último grande testemunho musical do que se designou como movida viguesa, depois de Siniestro Total, Golpes Bajos e Os Resentidos. Há ainda um pormenor relevante: participou activamente neste grupo o portuense Sérgio Castro, de Trabalhadores do Comércio (é mais um exemplo da mútua atracção entre Porto e Vigo..). Em todo o caso a grande estrela foi sempre Alberto Comesaña - tudo girava em torno dele, da sua voz e do seu descaramento... Havia um programa de acção que era fazer um pop/rock para chocar espíritos púdicos, por via de mensagens sexualmente explícitas, ou quase... É uma espécie de bombástica teoria de pacotilha assente em proclamações contra a dictadura de los decentes e coisas assim... Lo estás haciendo muy bien é o tema estandarte, mas não se pode dizer que algum dos temas que figuram nesta compilação escape a esse "programa". Na verdade aquele tema, que lhes granjeou fama instantânea, se musicalmente não é desinteressante, está longe de ser uma obra-prima... Contudo, a letra é um achado e, assim, se projectou aquela bem pode ter sido uma das primeiras canções declaradamente dedicadas ao sexo oral... A imagem da capa reforça o efeito. Para lá desta curiosidade sociológica, o certo é que a proposta musical do grupo não era desprovida de interesse, sendo que, à medida que o tempo vai passando e o efeito escandaloso se vai desvanecendo, se pode melhor apreciar esse facto. A voz quente e insinuante de Alberto Comesaña é o ingrediente essencial - poderia ter dado um soberbo bolerista, se tal não estivesse nos antípodas das suas opções artísticas...
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quinta-feira, outubro 27, 2005

Tiro ao Alvo (4)


Que ganhe Cavaco Silva!
Sou radicalmente moderado, um pouco mais à direita do que à esquerda, entre a social-democracia e um liberalismo suave, mas não tenho grandes pretensões de definição ideológica. Como pano de fundo tenho um certo carinho pela monarquia, mas sem dar a este sentimento mais sustentação do que um pretensiosismo inócuo... Apoio Cavaco Silva. É necessário conter as esquerdas e todo o seu arsenal demagógico, refúgio para múltiplos interesses corporativos ameaçados. Não basta ganhar. É importante ganhar por goleada. Felizmente, há condições para isso, porque as classes médias, apesar de desorientadas e ameaçadas em extensos segmentos, tendem instintivamente para não dar confiança a opções facilitadoras do caos. Mais do que nunca, a imagem da esquerda, retalhada entre facciosismos partidários e narcisísticos, é a figuração do caos. Nisto, há como que uma espécie de parábola. A esquerda, construtora do regime em que vivemos, propõe-se enfrentar a crise que, em larga medida, é resultado das suas receitas, com intensificação radical da dose (mais do mesmo, ou seja, mais estado, ainda mais estado, sempre mais estado). Em alarde de cegueira facciosa, entretem-se em minudências de grau de doseamento, para se apresentar com 4 faces.
Não tenho ilusões quanto às possibilidades de Cavaco Silva como Presidente da República ter poderes e capacidades para operar milagres quanto à crise (a qual, desgraçadamente, tem certos contornos estruturais...), mas tem, pelo menos, virtudes preciosíssimas: prudência, sensatez, senso-comum. Talvez seja uma pequeno mas decisivo contributo para sermos poupados a desastres superlativos...

quarta-feira, outubro 26, 2005

Rádio (5)

Lorenzo Díaz - La radio en España / 1923 - 1993 (1993)
Uma das primeira ligações que tive com a Espanha foi através da rádio. Era fácil. Caída a noite, escutava algumas das mais potentes emissoras da onda média (Radio España, Madrid; Radio Intercontinental, Madrid; Radio Sevilla; RNE - Centro Emisor del Noroeste). Era miúdo e estava, assim, familiarizado com as vozes e músicas de Espanha. Era um complemento dos muitos mapas, postais ilustrados e livros de Espanha que o meu pai depositava em minha casa, assim como das histórias que contava das muitas viagens que fizera por lá, nos anos 50. A rádio espanhola trazia-me um mundo diferente. Era alegre a música de Espanha e a sua língua...
Nunca mais perdi esta atracção pela rádio espanhola. Nos anos 80, escutava com assiduidade invasões hertzianas de emissoras FM, na Primavera e Verão. Eram invasões insólitas que proporcionavam recepções temporárias de largas horas ou, até mesmo, dias, com qualidade estéreo. Dessa forma captava a Radio Minuto (Las Palmas); SER Huelva; Antena 3 Badajoz; SER Mérida; SER Cáceres; Radio Noroeste Vigo, ou seja abrangendo um largo espectro, desde as Canárias à Galiza. Tudo isso me parece já arcaico, pois desde há 12 anos que sintonizo por antena parabólica todo o pacote de emissoras do Canal Satelite Digital, com qualidade digital. É a Cadena Dial que normalmente me acompanha com fidelidade diária. Mas também sintonizo a Radiolé: aos sábados, início da noite, sempre que posso, escuto o Son de la tribu. Também, sempre que posso, sou ouvinte do programa desportivo El larguero (Cadena SER) e às vezes passo pela Catalunya Ràdio. Tenho pena de não aceder às tertúlias de Luís del Olmo, agora na recém-formada Punto Radio e tenho algumas saudades do estilo hiper-bombástico de José María García - péssimo jornalista e óptimo entertainer, apropriadamente apodado de Butano (bilha de gás). Enfim, para o bem e para o mal foi sempre uma rádio plena de vitalidade...
Pode-se perceber, portanto, como a monumental obra La radio en España foi para mim algo que me entusiasmou. Tudo o que eu sabia era, nesta matéria, apesar de tudo, fragmentário, e a partir da leitura deste livro ganhou um nexo integrador. Além do mais, percebe-se que foi uma obra feita com paixão por alguém que tem um vasto conhecimento sobre a matéria. Como se não bastasse, vem acompanhado por um CD que compendia alguns momentos importantes e representativos da evolução da rádio espanhola. Aí pude reencontrar um velho conhecido anúncio de sintonia: Aquí, Radio Intercontinental... Madrid!!!! Lástima que o pasodoble das 20:15 (ou 21:15) não apareça. Sucedia-se à informação da temperatura na Calle Modesto Lafuente, onde se situavam os estúdios. Tinha eu uns 11 ou 12 anos e aguardava muitas vezes por esse momento, para ouvir o tal pasodoble.

terça-feira, outubro 25, 2005

2 Esclarecimentos e 1 Pedido (-)

Aos amigos que têm feito comentários:
Quero agradecer os comentários que um número significativo de amigos leitores têm aqui deixado. Queria esclarecer o seguinte:
1) Infelizmente, em relação a uma grande parte das sugestões, não estou em condições de as adoptar por dizerem respeito a pesonagens e factos que desconheço ou conheço insuficientemente. Além disso, de momento, não tenho disponibilidade para procurar informações, como gostaria...;
2) A maior parte dos leitores são espanhóis e este blog é escrito em português. Bem gostaria de o escrever espanhol, mas o meu domínio da língua de Cervantes não é ainda suficientemente bom para que me abalance a tanto... Provavelmente, um dia, atrever-me-ei a fazê-lo, quem sabe... Seja como for, aceitaria com entusiasmo que, quem quisesse, me enviasse material para posts, escritos em espanhol.
Finalmente, um pedido: quem quiser obter alguma resposta concreta sobre sugestões ou outro tipo de observações pessoais contidas nos seus comentários que se me dirija directamente por e-mail (está bem visível no blog).
Saludos,
Edmundo

segunda-feira, outubro 24, 2005

Baúl de los recuerdos (8)

Festival da Eurovisão 1969
Tem sido curiosa a repercussão do post sobre os 50 anos do Festival da Eurovisão. É mais uma prova de como, em tempos idos, o Festival era, de facto, um acontecimento. Eu, por exemplo, punha-me com a minha mãe e uma ou duas vizinhas (no prédio, nem toda a gente tinha televisão) a seguir activamente o espectáculo. Tomava nota num papel das minhas votações, das da minha mãe e das visitas. Essa afición deve ter durado entre os meus 8 e 17 anos, ou seja, entre 1965 e o 25 de Abril. Seguia apaixonadamente a disputa canora. Muitas vezes tomava arrebatado partido pelos representates de Espanha e Itália, assim como sofria pela inglórias representações nacionais. Pois, se há festival em que as emoções foram ao rubro foi, precisamente, o que foi realizado em Madrid, em 1969. A nossa Simone apresentava-se garbosa e confiante com a Desfolhada e regressou com uma paupérrima votação. Em Santa Apolónia foi recebida como heroína injustiçada. Portugal inteiro espumou de raiva e no ano seguinte, o amuo pátrio deu em deserção. Portugal não enviou ninguém a Amesterdão, onde se realizou o Eurofestival de 1970. Tamanha frustração deveu-se também ao estranhíssimo desenlace de Madrid: 4 vencedores! Ainda ninguém esqueceu que havia 4 estatuetas (ou lá o que era o galardão...) prontas a ser entregues a cada um dos componentes da tetrarquia vitoriosa. A suspeita de cambalacho ou, se quisermos, visto estarmos a falar de algo ocorrido em Espanha, a suspeita de amaño, ficou como um lastro agarrado à memória do ocorrido. A gentil Laurita Valenzuela, ex-chica yé-yé reconvertida em apresentadora televisiva, disparava um sorriso pepsodent entre gestos desembaraçados, talvez para disfarçar algum embaraço interior... Eis aqui o resultado final de tão insólito certame:
01 - Holanda - Lennie Kuhr - De troubadour - 18 votos;

"" - Espanha - Salomé - Vivo cantando - 18 votos;

"" - Reino Unido - Lulu Boom Bang a Bang - 18 votos;

"" - França - Frida Boccara - Un jour un enfant - 18 votos;

05 - Suíça - Paola del Medico - Bonjour Bonjour - 13 votos;

06 - Mónaco - Jean Jacques - Maman Maman - 11 votos;

07 - Bélgica - Louis Neefs - Jennifer Jennings - 10 votos;

08 - Irlanda - Muriel Day & The Lindsays - The wages of love - 11 votos;

09 - Alemanha - Siw Malmkvist - Primaballerina - 8 votos;

"" - Suécia - Tommy Korberg - Judy min vaen - 8 votos;

11 - Luxemburgo - Romuald - Catherine - 7 votos;

12 - Finlândia - Jarkko and Laura - Kuin Silloin Ennen - 6 votos;

13 - Itália - Iva Zanicchi - Due grosse lacrime bianche - 5 votos;

"" - Jugoslávia - Ivan Pozdrav svijetu - 5 votos;

15 - Portugal - Simone de Oliveira - Desfolhada - 4 votos;

16 - Noruega - Kirsti Sparboe - Oj, oj, oj, sa glad jeg skal bli - 1 voto.

Há pouco tempo revi a transmissão na íntegra desta edição. É curioso como o tempo muda as coisas... Começo pelas três canções que adoptara na altura. Desfolhada parece-me agora descabiamente antiga num contexto já então antigo. O petiz Jaen-Jacques, cantando uma proclamação a favor da sua mamã, parece-me um pouco enjoativo. A cantilena alemã, Prima Ballerina, parece-me demasiado delicodoce, mas, ainda assim, digna de indulgência. Mantenho a mesma fraca opinião sobre Vivo Cantando (um downgrade em relação a La, la, la). Mas, a canção holandesa, reconheço agora (uma ninharia, 36 anos depois...) era a melhor. É uma balada bonitinha, servida por uma voz original. Odiara esta canção naquele tempo. Noto também que estiveram presentes nomes importantes da canção francesa (Romuald; Frida Boccara) e da canção italiana (Iva Zanicchi). The last, but not the least: confirmo que toda a gente (incluindo os nórdicos) cantava ainda nos seus linguajares indígenas.

The Eurovision Database

Viagens (22)

Guía Viva Mallorca (2004)
Uma das coisas que aprecio quando viajo é fazer-me acompanhar por guias. Voltei a seguir este preceito na estadia de cinco dias em Mallorca, em meados do passado mês de Agosto. Levei alguns de cá, bastante interessantes, mas um pouco desactualizados. Este comprei-o em Palma de Mallorca.
Estou longe, muito longe, de pretender ser um coleccionador de guias de viagem, mas a verdade é que tenho uma quantidade que ultrapassa os lugares por onde viajei. Sucede que muitas vezes, mesmo quando não tenciono viajar para determinado lugar, me entretenho a consultar este tipo de informação - é, de algum modo, uma forma de viajar... Mais importante do que isso, só os mapas, os meus fiéis amigos mapas. Desde que me conheço que sou apreciador de mapas. As minhas referências espaciais estão localizadas na minha cabeça em forma de mapas. Já agora, a propósito, uma das vantagens deste guia é, precisamente, a qualidade e funcionalidade dos mapas urbanos ou plantas. Cada cidade é apresentada com duas plantas - uma para o dia; outra para a noite. A primeira com referências monumentais e comerciais; a segunda com referências sobre vida nocturna. O grafismo é funcional e apelativo. Compreende-se, é um guia para jovens... Nesta linha, o que mais seduz na colecção é o seu carácter prático e realista. A grande maioria dos turistas, sobretudo os mais jovens, são... pobres. A maioria dos guias de viagem parece concebida para turistas abastados. Daí, o valor acrescentado destes guias. Com todo o reverencial respeito pelo Guide Rouge Michelin, a verdade é que o comum dos mortais não se pode abalançar de ânimo leve para os restaurantes estrelados pelos senhores inspectores...