sábado, novembro 25, 2006

Galícia (15)

Uxía - Estou vivindo no ceo (1995)
Há uma deriva na música galega, que se transformou numa corrente dominante desde há muito tempo. É a da influência irlandesa. Resulta da consciência do carácter céltico da cultura popular galega, o qual, se bem que legitimado por muitos elementos objectivos, não deixa de ter uma certa dose de mito. Independentemente do grau de autenticidade, a verdade é que os frutos dessa deriva têm produzido resultados interessantes. Contudo, o álbum em apreço representa uma outra deriva, a qual, em proporções muito mais modestas não deixa de ter os seus representantes. É a da influência portuguesa. Note-se que é uma corrente modesta em termos musicais, mas, verdade se diga, que existe no galeguismo intelectual uma corrente com peso, cuja expressão em termos de doutrina linguística é o reintegracionismo, ou seja, a defesa da reintegração do idioma galego nas normas ortográficas e fonéticas da língua portuguesa. Por este exemplo se pode aperceber o romantismo utópico que grassa nessas hostes... Seja como for, existe entre essa gente, de forte empenhamento político (geralmente alinhado com o Bloque Nacionalista Galego), uma natural simpatia pelas coisas portuguesas.
Uxía Senlle, ex-integrante do grupo Na lúa, enquadra-se nestes meios. Meios onde, por exemplo, a figura de José Afonso foi uma referência. Este álbum é uma cabal demonstração do peso dessa referência, ou não se desse o facto de incluir três versões de famosos temas dele: Verdes são os campos (soneto de Camões),
Milho verde (tradicional) e Senhora do Almortão (tradicional). Significativamente, a produção artística é de Júlio Pereira. Contudo, não deixaria de ser um álbum banal se se limitasse a estas recriações de sabor requentado e sem inovações de registo. Na verdade, e em contra-tendência com o tributo lusitano, abre com uma jóia de valor excepcional, que é genuinamente galega: Alala das Mariñas, um tradicional da região do mesmo nome, no nordeste da província da Coruña e noroeste da província de Lugo. Que belo fulgor de espessa melancolia passa por este canto de nostalgia emigrante! Sublime!
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Página web sobre Uxía in Nubenegra
Página web sobre Uxía in At-Tambur

Uxía: Alala das Mariñas in Estou vivindo no ceo (1995)

Galícia (14)

Betanzos / Pontedeume in A vista de pájaro - A Coruña
Betanzos e Pontedeume são duas localidades situadas no norte da província de A Coruña, próximas da capital, na região de As Mariñas.
Betanzos ou Betanzos dos Cabaleiros (como em tempos idos era designada) é uma cidadezinha histórica, situada na confluência de dois rios (Mendo e Mandeo), pouco antes das suas águas se juntarem com as do mar, formando uma ria. É também sede da comarca do mesmo nome.
Pontedeume é uma vila antiga, cujo nome advem da extensa ponte que atravessa o rio Eume, aí já praticamente ria. É sede da comarca de Eume.
Estas duas localidades têm uma insuspeita ligação a Portugal, ou melhor, às mais ancestrais raízes de Portugal. Vimara Peres, que conquistou Portucale (Porto) aos mouros, em 868, e fundou Vimaranis (Guimarães), seria provavelmente oriundo dessa região. Daí teria trazido os povoadores da Terra Portugalensis (Entre o Douro e Minho), carenciadas de gente, após o despovoamento causado pelos avanços e recuos da fronteira entre mouros e cristãos. Os indícios vêm dos nomes de lugares e gentes, nomeadamente das nobiliárquicas estirpes Mendo (...e, consequentemente, Mendes, ou seja, filho de Mendo) e Andrade, tão destacadas nos tempos do e 2º Condados Portucalenses. Ambos os apelidos evocam Betanzos e Pontedeume.

terça-feira, novembro 21, 2006

Cuore matto (11)


Mina - Ancora, ancora, ancora
(1978)
Este vídeo ilustra, ao que parece, a última aparição televisiva de Mina, algures nos finais dos anos 70. É uma transbordante manifestação de sensualidade e poderio interpretativo. Apesar da amostra aqui presente estar truncada (pela duração abruptamente encurtada e pelo desfilar do genérico), é um testemunho incrível - um autêntico desplante da artista, que dir-se-ia estar no limiar do descontrolo. Veja-se como, num arrebatamento de impetuosa gestualidade (que lhe era, aliás, comum), a páginas tantas enceta uma desconexa batalha com o cabelo, que resulta num desenlace sem solução de continudade. Nesse impasse, expeditamente retoma a desenvoltura com um sorriso trocista... É um vulcão de eruptiva sensualidade. Comparado com isto, os exibicionismos de madonnas e outras divas de pacotilha do actual pop mainstream, mais não são do que insonsas imposturas pronto-a-vestir de marketing para o povinho...
Para ser visto (e idolatrado!) ancora, ancora, ancora... sempre ancora.

Cuore matto (10)

Ornella Vanoni - A un certo punto... (1974)
O ano de 1974 é particularmente notável na carreira discográfica de Ornella Vanoni. Apenas uns meses antes de La voglia di sognare, havia surgido este álbum, A un certo punto.... São os dois muito bons. Neste, descontado o último tema - versão do alegre tema de Caetano Veloso, Chuva, suor e cerveja - há uma nuvem de suavidade que perpassa por todo o álbum. É algo que esbate os conteúdos fortes, modulando a expressão das emoções. Sucedem-se as canções de amor tocadas pela melancolia. Bela melancolia, diga-se, iluminada por laivos de dramatismo contido... É um dos registos em que os dotes de Ornella mais sobressaem. Para completar, as canções são de boa colheita compositora e os arranjos orquestrais são um primor. Enfim, é maais um momento alto do cançonetismo italiano.

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Ornella Vanoni - Prime ore del mattino in A un certo punto... (1974)


Ornella Vanoni - Il continente delle cose amate in A un certo punto... (1974)

Cuore matto (9)

Ornella Vanoni - La voglia di sognare (1974)
Nos anos 70, um pouco em contra-tendência, a canção italiana atinge a sua plenitude. É um facto que o Festival de San Remo estava cada vez mais longe do esplendor da década anterior, mas, em contrapartida, a produção discográfica utiliza meios de produção mais modernos, incorporando, pontualmente, alguns elementos oriundos do pop/rock. A perda de importância do cançonetismo, em Itália, traduz-se, assim, mais no plano quantitativo e, eventualmente, comercial, do que no plano substantivo da qualidade. É o que se passa com Ornella Vanoni, uma das consagradas dos tempos áureos de San Remo.
La voglia di sognare apresenta uma linha melodiosa homogénea. Contudo, o repertório não deixa de ser relativamente variado, com duas versões de temas franceses e uma versão de um tema brasileiro, sendo os oito restantes temas inéditos de consagrados compositores italianos. O valor do conjunto é elevado, mas o destaque vai para Un mondo di più, de Lucio Dalla e Sergio Bardotti - um sugestivo tema de amor que prova como a voz de Ornella, apesar de frágil, pode ser insinuante e quente...
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Ornella Vanoni - Un mondo di più in La voglia di sognare (1974)

Cuore matto (8)


Grande senhora da canção italiana, Ornella Vanoni é quem mais tem sustentado um estatuto de paridade em relação a Mina. Entre os fans de ambas (gente já com idade para ter juízo...) há um longo passado de rivalidades, um pouco à maneira do que ocorria cá, nos anos 60, entre os fans de Madalena Iglésias e os de Simone, mas em ponto muito maior. A verdade é que, quer Ornella, quer Mina, cada uma no seu estilo, representam o melhor da música ligeira. Por mim, adoro as duas, reconhecendo, obviamente, que são muito diferentes. Em todo o caso, a disputa, se é que verdadeiramente existe, pode-se presumir no que diz respeito às respectivas páginas oficiais na Web. Neste particular, parece que se pretende não ficar atrás de Mina... Com efeito, no seu sítio oficial há um excelente grafismo, que se adequa ao seu estilo.

sábado, novembro 18, 2006

Galícia (13)


Amancio Prada - A dama e o cabaleiro / Poemas de Álvaro Cunqueiro (1987)
Amancio Prada é um cantautor berciano (da região situada no oeste da província de León, conhecida como Bierzo, onde cerca de metade da população é de língua galega). De acordo com tais origens, tem dividido a sua carreira entre a expressão galega e a expressão castelhana. Este álbum pertende ao "ramo galego". Aqui, dedica-se a pôr em música cantigas de amigo e cantigas de amor não legítimas, ou seja, não aquelas, trovadorescas, que foram escritas na Idade Média (algo que já anteriormente havia feito em Leliadoura, 1977), mas sim contemporâneas, da lavra do escritor, poeta (e gastrónomo...) Álvaro Cunqueiro. O resultado é magnífico. A lírica galega passa em elevado plano por todo o álbum, atingindo o ponto mais alto nos temas Amiga namorado vou e No niño novo do vento. Ao contrário do que sucedeu em Leliadoura, Prada opta por arranjos que não são enquadráveis no folk ou no tradicional, mas sim na canção clássica, sobressaindo um piano que pauta o ambiente. Em quatro faixas adopta-se a junção de dois temas em contínuo, sendo este o único recurso, digamos, um pouco menos convencional, mas bem conseguido. Longe, é certo, de outras suas propostas bem originais (algumas até radicais...), este álbum é um dos melhores de toda a sua carreira, sendo aquele que, fora dos característicos registos folk e/ou tradicional, mais nos faz chegar à alma galega.
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Amancio Prada: No niño novo do vento in A dama e o cabaleiro (1987)

Galícia (12)

A Coruña (anos 50): Betanzos, A Coruña, Pontedeume e Carballo

sexta-feira, novembro 17, 2006

Mariachi y tequila (34)

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Alejandro Fernández - A corazón abierto (2004)
Mais apropriado para este post seria o título El hijo del Mariachi, pois se é verdade que Alejandro já demonstrou possuir qualidades que o podem tornar um digno sucessor de seu pai, Vicente Fernández, não é menos verdade que este álbum é mais um que está inteiramente inserido num registo pop, que tem sido, aliás, o dominante na sua carreira. Dentro dos cânones da produção de Miami, escorreita, mas "industrial", eis, portanto, mais um álbum que lhe permite alicerçar um estatuto com uma projecção cada vez mais ampla, abarcando todo o mercado hispano e adjacências... Sucede que, além do mais, o álbum se apoia em duas magníficas baladas: Me dediqué a perderte e Qué lástima. O resto, não comprometendo, também não é deslumbrante, servindo para constatar que o amadurecimento das suas qualidades interpreativas já dá para disfarçar algumas debilidades de repertório...

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Página Web Oficial

Alejandro Fernández: Qué lástima in A corazón abierto (2004)

terça-feira, novembro 14, 2006

Perros callejeros (8)

Los Chunguitos - Soy un perro callejero (1988)

Memória do futebol (2)

Grandezas: delírios e realidades
A iniciativa do Benfica em se alardear como recordista mundial em número de sócios suscita-me alguns reparos. Ao contrário do que possa parecer, a iniciativa é mais uma demonstração da sua decadência na galeria dos grandes do futebol mundial. Perdida a glória de ser o clube português com melhor palmarés internacional e confrontado a nível interno com a perda da hegemonia, investe nestas glórias... Iniciativas de divulgação da sua grandeza na história do futebol seriam mais sensatas e pertinentes. Esta, na verdade, é uma glória patética, que assenta na efémera mobilização de sócios, um tanto ad hoc... Tão patética quanto, sendo, indiscutivelmente, o clube com maior número de adeptos, não conseguiu, nas últimas temporadas (mesmo naquela em que foi campeão) ter a liderança na média de assistências por jogo... Além do mais, isto parece ser uma consolação para o desfazer da quimera delirante dos 300.000 sócios... A massa crítica benfiquista, qual aristocracia decadente, parece entregar-se à fruição de delírios megalómanos...
O conceito de sócio é obsoleto para os grandes clubes mundiais. Bem mais significativo é, por exemplo, o número de abonados de pacotes de bilhetes por temporada ou competição, de compras de assistências televisivas de jogos em pay per view, ou, evidentemente, de assistências nos estádios. O conceito de sócio era algo decisivo nas velhas entidades clubísticas, nas quais a prática desportiva fazia parte da afirmação da identidade. Hoje, a nível de grandes clubes, essa realidade só persiste na América do Sul. E mesmo aí, advinha-se, já em crise...
Verdadeiro Ranking de grandeza (algo cruel, mas cada vez mais incontornável) é o que a empresa de consultadoria Deloitte vem fazendo nos últimos anos, ordenando os 20 clubes mais ricos do mundo em função dos seus rendimentos. Veja-se o último, relativo a 2005, in Deloitte (España). No que diz respeito a clubes portugueses, só esteve próximo da lista o FC Porto. Passou, episodicamente pelos 5 lugares adicionais (ou seja, entre o 21º e o 25º lugar), por força da campanha que lhe deu o título europeu e os correspondentes prémios financeiros. Tal sucedeu em 2004. Não há perspectivas razoáveis que possa voltar a suceder a curto ou médio prazo com um clube português.

domingo, novembro 12, 2006

Mediterráneo / Mediterrània (33): Catalunya: Barcelona


Edifícios modernistas - p
ostais (191?, 192?)
Les Punxes (Josep Puig i Cadafalch, 1867-1957); Palau de la Música Catalana (Lluís Domènech i Montaner, 1850-1923); La Pedrera (Casa Milà i Camps) (Antoni Gaudí i Cornet, 1852-1926).

sexta-feira, novembro 10, 2006

Il bel paese (4)

Florença - finais dos anos 40

Viagens (45): Norte de Itália / Julho - Agosto de 2001 (4)

Viagem ao Norte de Itália (Julho/Agosto de 2001) 3º Dia

De manhã, ao sair do hotel, pude finalmente constatar aos encantos de Florença. A luminosidade e a ausência de fadiga permitia-me uma visão diferente. Deparei-me logo com a imponência do Palazzo Strozzi e com a igreja de Santa Maria Novella, que tem uma fachada onde sobressai o contraste entre as linhas entremeadas de cinzento claro e de cinzento escuro, o que se repete, aliás, em vários outros edifícios religiosos e laicos.
Um dos problemas que afectou a estadia foi a avalanche turística que me dissuadiu de engrossar as longuíssimas bichas para entrar em sítios fundamentais. Porém, ainda pior foi a onda de calor, com temperaturas máximas em torno dos 37º e mínimas que não desciam dos 23º. Florença foi protagonista desta vaga e os telejornais repetiam imagens de turistas banhando-se nas fontes.
A Catedral de Santa Maria del Fiore (Duomo) é um dos ex-libris da cidade. A grandiosidade da cúpula, de Brunelleschi, contrasta com a graciosidade das linhas de todo o edifício, em particular com a fachada e o Campanille (torre sineira). Há formas geométricas nos mesmos tons de Santa Maria Novella. Sempre tive queda pelos excessos barrocos, contudo, o classicismo florentino, nomeadamente o que se pode apreciar no Duomo, é de insuperável elegância, sem renunciar a pormenores decorativos. Ainda assim, o interior pareceu-me não estar à altura do exterior. O baptistério, edificado à parte (em Pisa também é assim), bem no centro da praça, é imponente. A Porta do Paraíso (Leste) atraía uma descomunal fila de turistas, cuja maioria, talvez, não soubesse estar perante uma réplica. O original está no vizinho Museo dell’opere del Duomo. Todo este conjunto monumental, visto de cima não deixaria de se assemelhar a torrões de açúcar atacados por um formigueiro. Os turistas são aqui uma completa amostra da humanidade - pude ver, por exemplo, uma excursão de turistas hindus.... Muitos faziam parte de grupos guiados que se embrenhavam por ruas esconsas. Mesmo em sítios aparentemente comuns paravam, banhados em suor, escutando o guia. Em boa verdade, qualquer recanto pode exalar história e a arte pode assaltar a partir de um qualquer saguão. Pouca coisa comum deve haver no centro de Florença... O vulgar turista, mesmo aquele que detém alguma sensibilidade para as coisas da arte e da história, corre o risco de enfartamento. Mas, não se pense que é uma cidade museu, no sentido, em que esteja desprovida de vida normal. Tem cerca de meio milhão de habitantes e um intenso tráfico adaptado às contingências de uma morfologia medieval. Contudo, note-se, que não se vislumbra em todo o centro um único edifício moderno! Este e outros sintomas denotam que a cidadania está orgulhosa do estatuto ímpar da sua urbe.
A Via dei Calzaiuoli é o eixo que atravessa o centro. Um pouco mais ampla que as restantes ruas, exclusivamente reservada a peões, vem desde o Duomo, passa perto da Piazza della Repubblica e desagua na Piazza della Signoria. A Piazza della Repubblica está composta por edifícios novecentistas, de linhas clássicas, ocupados por companhias de seguros. Está rodeada de cafés com esplanadas, onde os turistas são alegremente espoliados pelo consumo de um Cinzano ou de um gelato. A Piazza della Signoria é a ágora – o coração cívico. Impressionei-me quando lá cheguei e dei de caras com o ex-libris máximo, o Palazzo Vecchio e a sua torre comunale. Lá estão estátuas célebres como Perseu, de Benvenuto Cellini e, sobretudo, Davide, de Michelangelo. Mas, é evidente que são réplicas... Naquela manhã de primeira segunda-feira de Agosto, aquele lugar parecia palco de um quase tumulto, tal era a quantidade de turistas emocionados que tropeçam uns nos outros, de máquina fotográfica em riste. Com efeito, muita gente chega aqui com a emoção com que um muçulmano chega Meca. Perante a visão do Davide com a moldura do Palazzo Vecchio atrás, sente que cumpriu um desígnio superior – muitos não se contêm e tratam de utilizar o telemóvel para participar o evento a um algum ente querido distante. Para mim não foi muito distinta a sensação de atravessar a Ponte Vecchio, que até os nazis não tiveram coragem de bombardear... Todas as lojas da ponte, com uma única excepção, são ourivesarias. As montras ostentavam peças a preços inalcançáveis. Mas mais importante foi comprovar que dessa ponte mítica se pode apreciar um pôr de sol especial... Toda o dia foi ocupado em deambulações pedestres – é a única forma adequada de conhecer a cidade. Quando caiu a noite foi uma surpresa verificar que não havia gente na rua na quantidade que seria de esperar. Depreendi que em Itália há pouca animação exterior nocturna, sobretudo, atendendo às potencialidades dos espaços e ao que ocorre, por exemplo, em Espanha.

quarta-feira, novembro 08, 2006

Tiro ao alvo (13)

Vasco Pulido Valente: A vida é um funil
São sempre saudáveis os banhos de lucidez que Vasco Pulido Valente proporciona aos seus leitores (neste caso, ouvintes):


Extracto da entrevista de Vasco Pulido Valente a Pessoal e Transmissível, de Carlos Vaz Marques. (TSF, 8 de Novembro de 2006).
Informação e ficheiro audio retirados de A Origem das Espécies, de Francisco José Viegas.



segunda-feira, novembro 06, 2006

Memória do futebol (1)

Inglaterra, 1888
Estávamos em plena era da Rainha Vitória. O Império Britânico era ainda a principal potência imperial. No resto do mundo, para além da Mancha, não se fazia a mais remota ideia do que poderia ser o futebol. Contudo, em 1888, esta modalidade, derivação plebeia do rubgy, estabeleceu-se em Inglaterra como espectáculo profissional e organizado em campeonato de liga, por poule. Era um fenómeno circunscrito sob o ponto de vista social e geográfico, embora com crescente impacto. Dizia respeito à classe operária e a três regiões: Lancashire, West Midlands e East Midlands. Todas os clubes que inauguraram essa competição, em 1888, eram dessas três regiões. Não havia, por exemplo, nenhum de Londres. No essencial, permaneceu com esta configuração até à Grande Guerra (1914-18). Tornou-se o grande espectáculo proletário dos sábados à tarde. Os primeiros jogadores profissionais eram oriundos do operariado. A pouco e pouco as classes médias foram aderindo ao espectáculo, mas, até meados dos século XX, manteve-se como espectáculo essencialmente proletário. As classes mais elevadas mantiveram-se longe desse mundo - os seus desportos de equipa eram o cricket e o rugby.
Eis a classificação final dessa 1º edição da Liga (1888-89):

1 - Preston North End FC - 40
2 - Aston Villa FC - 29
3 - Wolverhampton Wanderers FC - 28
4 - Blackburn Rovers FC - 26
5 - Bolton Wanderers FC - 22
6 - West Bromwich Albion FC - 22
7 - Accrington FC - 20
8 - Everton FC - 20
9 - Burnley FC - 17
10 - Derby County FC - 16
11 - Notts County FC - 12
12 - Stoke FC - 12

Eram clubes de zonas fortemente industrializadas, quase todos inseridos nas conurbações de Birmingham e Liverpool-Manchester, estabelecidos em pequenas e médias cidades periféricas dessas grandes áreas. Dessas cidades, propriamente ditas, só encontramos dois: Everton (Liverpool) e Aston Villa (Birmingham), mas, é de notar, que ambos ostentavam nomes alusivos ao seu bairro, não à cidade. Curiosamente, os 3 últimos classificados são os únicos de fora dessas conurbações. O futebol nasce assim como fenómeno industrial, urbano e bairrista.

sábado, novembro 04, 2006

Mediterráneo / Mediterrània (32): Catalunya: Barcelona


Barcelonès (1) in Catalunya des de l'aire (1999)

Barcelonès (2): Barcelona - Parc Güell in Catalunya des de l'aire (1999)

Barcelonès (3): Barcelona - L'Eixample (La Pedrera, La Mançana de la Discòrdia, Diputació de Barcelona) in Catalunya des de l'aire (1999)

Barcelonès (4): Barcelona - L'Eixample (Casa de les Punxes, Sagrada Familia) in Catalunya des de l'aire (1999)

Barcelonès (5): Barcelona - Ciutat Vella in Catalunya des de l'aire (1999)

Barcelona é uma das cidades que mais vezes visitei e é uma das que mais aprecio. É fascinante e oferece atractivos para os mais variados interesses. Para quem se interesse particularmente por arquitectura, é uma espécie de Meca... Tal sucede pela quantidade e qualidade de exemplos de modernismo, em especial, os criados pelo génio de Antoni Gaudi. Foi tendo em conta este particular atractivo que seleccionei as imagens destes clips. Foram construídos a partir do capítulo da série Catalunya des de l'aire, dedicado à comarca onde está implantada a cidade, o Barcelonès. Esta série está organizada em capítulos correspondentes às 41 comarcas catalãs.

sexta-feira, novembro 03, 2006

Noites tropicais (11) (3 remake)

João Gilberto - Amoroso (1977)
Alguém disse (foi José Nuno Martins no saudoso Os Cantores do Rádio) que este seria o melhor álbum de sempre da música brasileira. Sem abandonar o espírito da bossa-nova, João Gilberto fez aqui um exercício de sofisticação e cosmopolitismo. Sofisticação que decorre tanto da sua forma de cantar (mais sussurrante do que nunca) como dos voluptuosos arranjos de Claus Ogerman. Cosmopolitismo, porque interpreta três temas não brasileiros: 'S Wonderful, de Gershwin; Estate, de Bruno Martino; Bésame Mucho, de Consuelo Velázquez (já anteriormente o tinha gravado, mas de um modo bem mais convencional). O curioso é que a sua inépcia linguística é um must adicional - um italiano e um castelhano que soam assim divinamente adocicados! Estate alarga-se por seis minutos e meio, tornando-se aqui uma espécie de afrodisíaco para espíritos refinados. Com o famoso bolero a receita intensifica-se. A cadência lentíssima e aveludada alarga-o por quase nove minutos de puro êxtase. Mas se parece impossível superar o transe destas emoções, há que esperar até ao último tema, Retrato em Branco e Negro (Zingaro), de Tom Jobim. Está para além da perfeição!
Esta obra-prima foi gravada em finais 1976 e início de 1977, entre Nova Iorque e Los Angeles e parece ser o culminar de uma década e meia em que o gosto norte-americano se rendeu à bossa-nova.
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quarta-feira, novembro 01, 2006

Complexo de Aljubarrota (8)

Os desplantes de Mourinho
Para o bem e para o mal, este homem deve ser hoje em dia um dos portugueses mais famosos do mundo. É uma personalidade que suscita emoções fortes e contraditórias. É arrogante e, por isso, compreende-se bem a onda de antipatia que pode gerar. Mas, é um tipo inteligente, que domina como mestre os segredos do futebol - vide a comparação que o jornalista Alfredo Relaño (De fuera vendrá quien las verdades te dirá in As) estabelece com o mítico Helenio Herrera. Um tanto à conta do seu desmedido ego, desenvolve estratégias psicológicas de condicionamento dos adversários e de empolgamento dos seus jogadores. Nisto, é um mestre e vê-se que teve no presidente Jorge Nuno Pinto da Costa um dos seus inspiradores. A mim, produz-me sentimentos contraditórios, que vão da irritação à exaltação. Seja como for, as gratas memórias sobrepõem-se aos sentimentos negativos: é que não esqueço as glórias que trouxe ao meu FC Porto!
A primeira página da Marca deve deixar orgulhosos muito portugueses. Dentro de um certo complexo de pequenês, as façanhas deste homem são percebidas, por muitos, como redentoras. Se, ainda por cima, é o público espanhol o contemplado por mais algum desplante, a coisa sabe ainda melhor... Por um momento, eu próprio cedo a estas emoções primárias e vejo nesta primeira página uma espécie de arremedo de glória pátria (que exagero, enfim...).
Contudo, para além das emoções primárias da tribo lusitana, há que ter em conta que a primeira página da Marca responde a outro tipo de emoções. Na verdade, ilustra um sentimento merengón (ou seja, pró-madridista). Mourinho desenvolveu um particular contencioso com o Barça e este é mais um episódio dessa histórica picaresca. Em Madrid olha-se, no mínimo, com simpatia para quem cause mal-estar can Barça. O que se passa, é que a relação de Mourinho com o clube por onde passou discretamente como tradutor e adjunto é de amor / ódio. Talvez, no fundo, ele sonhe ser idolatrado nas ramblas, mas se tal não poder ser, encontra consolo em continuar a ser aí odiado e vir a ser um dia aclamado na madrilena Cibeles. Quem sabe se, ao fim e ao cabo, o porta-estandarte do orgulho lusitano está em Londres, a expensas de um nababo russo, numa espécie de transito que o conduzirá, mais dia, menos dia, a Madrid ou Barcelona.