domingo, setembro 30, 2007

Euskal Herria (23)

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Joseba Tapia / Koldo Izagirre - Apoaren edertasuna (1998)
O fascínio deste álbum passa pelo seu carácter impenetrável. É difícil imaginar algo tão pouco comercial, pelo menos fora da cultura basca. Desde logo, não há qualquer concessão idiomática. As letras não estão traduzidas, nem, tampouco, há qualquer indicação noutra língua que não a basca. Não há vestígios de palavras inteligíveis, constituindo este facto um bizarro desafio. Quanto ao conteúdo central, a música surge sem qualquer artifício de produção. Temos Joseba Tapia mais o seu acordeão diatónico (trikitixa) e com a sua voz singela, cantando em basco. Num ou noutro tema o ritmo é vigorosamente marcado por compassado bater de pés. E mais nada. É tudo simples. Dir-se-ia mesmo, de intrínseca feição rústica. Além disso, a música partilha protagonismo com a récita de textos, pois que, introduzindo cada tema, há uma narrativa feita, provavelmente, pelo escritor Koldo Izagirre (pelo menos, autor dos textos é).
É de notar que em ...Y la palabra se hizo música: La canción de autor en España, de Fernando González Lucini, esclarece-se que o título, Apoaren edertasuna, significa A beleza do sapo. O original desenho da capa confirma a informação. Tem um traço infantil, o que sugere historietas moralizadoras. Contudo, saiba-se que, tal como é explicado no referido livro, o título está de acordo com um elaborado propósito que atravessa todo o álbum intencionalmente: a pretensão de ajudar a descobrir a beleza onde, aparentemente, ela não está visível. Há, portanto, um objectivo político (em sentido amplo), que se louva em tempos de maciça estandardização de gostos. Enfim, o sapo também tem a sua beleza... E tem! Este "sapo musical" soa, assim, muito bem e suscita emoções que ultrapassam os limites do hermetismo idiomático, conferindo-lhe um certo fascínio acrescido. Finalmente, é de salientar que há aqui uma proposta de valorização da trikitixa e da música popular basca, num sentido contrário ao que segue, por exemplo, Kepa Junkera. Menos cosmopolita e despojado, mais próximo das raízes. Igualmente fascinante!

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Joseba Tapia - Igela ideari beha in Apoaren edertasuna (1998)

quarta-feira, setembro 26, 2007

Euskal Herria (22)

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Fermin Muguruza - Amodio eta gorrotozko kamiak / Canciones de amor y odio (1984 - 1998) (1999)
Sob a etiqueta El Europeo têm sido editados vários livros/CD. A série tem incidido mais em cantautores como Julio Bustamente, Luis Pastor, Luis Eduardo Aute, Amancio Prada, Martírio. Contudo, a edição aqui em apreço insere-se num género plenamente rock. Com efeito, é uma edição antológica dedicada ao nome mais sonante do rock radical basco, Fermin Muguruza. As propostas musicais abrangidas, se bem com algumas cambiantes, mantém-se sempre em sonoridades pesadas e agressivas e quase sempre sustentadas em batidas fortes. O conteúdo é correspondente: militantemente radical, de extrema esquerda e nacionalista. Passam em desfile os grupos pelos quais passou Muguruza (Kortatu, Negu Gorriak...) e prestações da sua intermitente carreira de solista. Estamos perante um privilegiado documento sobre o rock radical basco, que é, até certo ponto, a banda sonora da juventude que vive no caldo de cultura abertzale (extrema esquerda nacionalista). A luxuosa edição (é uma característica dos livros/CD de El Europeo) documenta exaustivamente este percurso. São 175 páginas de fotos, de letras de todas as canções de todos os álbuns da sua carreira e, sempre que estas estão em basco (a maioria), apresenta as respectivas traduções. É, enfim, um exemplo de como deve ser uma antologia.

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Negu Gorriak - BSO in Gure Jarrera (1991)

domingo, setembro 23, 2007

Flamenco (30)


El Bicho - Locura in El Bicho (2003)

Aqui segue mais um exemplo do carácter iconoclasta de El Bicho. Este clip foi feito para um tema do primeiro álbum, intitulado apenas com o nome do grupo.

sábado, setembro 22, 2007

Flamenco (29)


El Bicho - Los rokipankis in El Bicho VII (2007)

De regresso às heterodoxias, com um exemplo de manifesta impureza, ostentando reconhecidas contaminações: El Bicho - grupo de flamenco - fusión. Fusão com hip-hop, heavy e sabe-se lá que mais... É um projecto que parece ir além da dimensão estritamente musical, já que é uma espécie de trupe de performance em vários sentidos, com a música num lugar central. A página web oficial (versão mais completa - web de viaje, em construção; versão abreviada - web de prisa) confirma tendências ecléticas. É mais uma prova da vitalidade dos territórios periféricos do continente flamenco. O clip ilustra, através de animação de estética sinistra, mas bastante imaginativa, um tema do último álbum, El Bicho VII. A mensagem também é, digamos, um tanto sinistra, se bem que nada original. O curioso é o contexto em que aparece.

Web: El Bicho - Página oficial

terça-feira, setembro 18, 2007

Flamenco (28)

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Antonio Mairena - Esquema historico del cante por seguiriyas y soleares (1976)
Da mais afastada periferia do continente flamenco para o seu âmago. Se se pretende conhecer o que é o flamenco puro e duro, este disco é indicado. Foi originalmente editado em duplo LP e posteriormente reeditado em CD. Contudo, a reedição que conheço, está amputada no repertório e na informação, de tal modo que é indigna em relação ao original e à intrínseca valia do seu conteúdo.
Antonio Mairena foi um dos últimos patriarcas do cante. Fez um trabalho de compilação e apuramento que, em parte, foi apresentado nesta gravação. Dedicado aos palos (géneros) mais jondos (profundos), que são as seguiriyas e os soleares, é um trabalho quase académico, de todo alheio a modas e facilidades. Assim se cimentou o conceito mairenismo, que traduz a afirmação da ortodoxia e da tradição. Mas, mais do que isso... Mairena, gitano plebeu, foi um flamencólogo. Imerso em prática e teoria. Fez escola e teceu doutrina. Severa e intransigentemente.
Estamos a anos-luz das experiências fusionistas, que a partir dos anos 70 tanto dinamizaram o flamenco. Porém, não é necessário entender o mairenismo como uma tendência hostil à modernidade, mas antes complementar. Ao fim e ao cabo, não faz sentido ignorar o modelo de referência. Impõe-se preservá-lo, desde qualquer perspectiva.
Mairena tinha uma voz poderosa e rude e uma interpretação arrebatada. À força de pulmão e, sobretudo, de garra, remetia, naturalmente, as guitarras para o plano marginal em que a tradição sempre as confinara. Deixou um conjunto de gravações que constituem um acervo privilegiado do cante jondo, na medida em que, os grandes patriarcas que o antecederam jamais gravaram, ou fizeram-no muito parcialmente e em condições precárias. Consciente deste papel de portador de testemunho, condescendeu em gravar frequentemente em frios estúdios. Foi uma das suas raras concessões, mas deliberada...
Não é fácil entrar no cante jondo. Mesmo para os amantes, há momentos em que não dá... e outros
em que se torna uma necessidade purificadora. Esta música tem uma força e rudeza telúrica que a tornam uma provocação à vigente futilidade destes tempos que vivemos. É, de certo modo, uma experiência de religiosidade mística inacessível ao vulgo...

Antonio Mairena - Ovejitas (Seguiriyas tradicionales) in Esquema historico del cante por seguiriyas y soleares (1976)

sábado, setembro 15, 2007

Flamenco (27) (14 remake)

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Antonio Flores - Cosas mias (1994)
Eis Antonio Flores. Filho de Lola Flores, La Faraona, a célebre rainha do folclorismo flamenco e de Antonio, El Pescailla, famoso rumbero. Irmão de Lolita e Rosario - ambas, artistas destacadas da cena espanhola. Estava fatalmente destinado a ser artista. Porém, teve uma carreira fugaz... Com efeito, este álbum foi editado cerca de um ano antes da sua morte. Aparentemente, dir-se-ia, que foi produzido sob o signo celebrante da vida, exemplificado quer através da evocação do nascimento da filha do artista, em Alba, quer através da vitalidade de Arriba los corazones. Este facto não deixa de ser uma ironia, pois por essa altura o artista afundava-se na dependência da heroína, que o conduziria à morte, por overdose, poucos dias, aliás, após a morte da sua mãe.
Dizer que este álbum está enquadrado no flamenco é abusivo. Na realidade, é um álbum de rock com tonalidades flamencas. Estas encontram-se num ou noutro elemento dos arranjos, mas, sobretudo, na voz. Contudo, são detalhes suficientes para lhe dar um valor acrescido, tanto mais que a voz é expressiva no agreste timbre gitano... Se, além disso, tivermos em conta a atinada inspiração como compositor, patenteado em Isla de Palma, Cuerpo de mujer, Arriba los corazones e Alba, concluiremos que é um produto cujos méritos transcendem o de legado testamentário de uma vida precocemente interrompida.
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Antonio Flores - Arriba los corazones in Cosas mias (1994)

sábado, setembro 01, 2007

Napule e'... (8)


Nino Ferrer / Nino Taranto - Agata (1970)
Nino Ferrer, com Agata, em versão francesa, teve sucesso em França e a nível internacional. Na versão italiana teve um sucesso ainda maior em Itália. Neste clip, que se reporta a um daqueles magníficos espectáculos musicais da RAI dos anos 60 e 70, fica-se a saber que a versão original era um clássico popular napolitano dos anos 30. No palco, juntamente com Nino Taranto, o artista rende homenagem às origens da canção, ao ceder, a meio, o protagonismo ao artista napolitano, que arranca com a versão à maneira original.

Nino Ferrer - Agata (versão italiana) (1969)

Boulevard Nostalgie (26)

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Nino Ferrer - Nino Ferrer (Agata) (1969)
Este álbum é característico da fase inicial de Nino Ferrer, que coincide com os anos 60. Está, aliás, no limiar da transição para uma fase onde se tornará evidente uma opção por um rock de fusão vanguardista de cariz psicadélico e o consequente deslizar para um lugar marginal. Mas, por enquanto, temos aqui um conjunto de canções pop, muitas de corte jazzístico ou de rythm & blues, como era seu timbre. Era um álbum com condições para agradar à crítica e ao grande público, como, efectivamente, sucedeu. Abre com um tema que é uma deliciosa farsa melodramática, em dilacerantes compassos de tango: Agata. Foi um êxito! Contudo, outros três temas convém assinalar: Oerythia - a prova de como existiu inspirada bossa nova em francês; Un premier jour sans toi - uma balada plena de densidade dramática; e Non te capisco più - o único tema cantado em italiano, soando tanto como um rythm & blues pode soar genuíno na língua de Dante...

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Nino Ferrer - Agata (versão francesa) (1969)

Boulevard Nostalgie (25)


Nino Ferrer - Les cornichons / Il baccara (1966)