DVD: Marco Ferreri - La Grande Bouffe (1973)
Nos anos 70 a produção cinematográfica europeia era dominada por uma sensibilidade esquerdista. Este facto, compreensível no contexto daqueles tempos, não deve levar-nos a ignorar o brilhantismo de alguns filmes. Efectivamente, se uma parte desse cinema ficou irremediavelmente datado, sucede, por outro lado, que muito do que de melhor foi feito, com espírito rebelde e iconoclasta, foi feito nesse tempo e não se imagina que pudesse ser feito agora... É o caso deste filme, de Marco Ferreri (mais um italiano afrancesado...).
O argumento é uma metáfora que encaixa no tipo de denúncia simplista dos vícios da sociedade burguesa. Esta que foi a forma mais comum de apresentar o filme na altura, é uma interpretação redutora. Com efeito, o argumento parece tocado por aquela graça anarco-surrealista que não anda longe do génio buñueliano. Mas se o argumento é um achado (um grupo de quatro burgueses, consumados gourmands e amantes dos prazeres da vida, que se encerram numa mansão para se empanturrarem com opíparos manjares, em sessão contínua até ao suicídio...), o casting e a realização dão-lhe um definitivo toque de génio. Quatro pesos pesados do cinema francês e italiano repartem o papel de sibaritas: Michel Picolli; Philippe Noiret; Ugo Togazzi; Marcello Mastroianni. A eles junta-se uma Andrea Ferreol que, com o seu perfil felliniano, no limiar de uma pungente obesidade, compõe um papel de gorda lasciva. A componente sexual é protagonizada por esta figura de nutridos seios e nádegas, com comportamento tão relaxado como a das suas carnes flácidas. Com efeito, a determinado momento, o garanhão do grupo (quem haveria de ser senão Marcello?) entende que o prazeres carnais não se devem restringir à mesa... Depois de, por encomenda pontual, ter usufruido dos serviços de jovens esbeltas, mas de todo alheias ao espírito do grupo, Marcello seduz Andrea, que se aproximara da cerca da mansão e convence-a (com facilidade…) a entrar no empreendimento.
Temos a sensação que estes grandes actores são deixados em roda livre. Aliás, significativamente, o nome dos personagens coincide com o nome dos artistas e o registo que cada um assume está de acordo com o imaginário que temos deles. Andrea é a parceira ideal - em rigor, não faz parte do grupo; aparece por lá e por lá fica, a instâncias de Marcello e perante a desconfiança inicial dos restantes três, que encaravam a reclusão com espírito misógino.
A decadência progressiva do grupo é patética! Algumas imagens são inolvidáveis, nomeadamente a morte de Michel Piccoli, suspenso num parapeito, em épico transe de libertação de gases... O patético acentua-se quando o instrumento viril de Marcello deixa de funcionar, suscitando nele um desconcertante desespero. Os quatro morrem de formas bizarras, mas Andrea sobrevive-lhes melancolicamente e volta para as suas funções docentes - a senhora era mestre-escola...
A decadência progressiva do grupo é patética! Algumas imagens são inolvidáveis, nomeadamente a morte de Michel Piccoli, suspenso num parapeito, em épico transe de libertação de gases... O patético acentua-se quando o instrumento viril de Marcello deixa de funcionar, suscitando nele um desconcertante desespero. Os quatro morrem de formas bizarras, mas Andrea sobrevive-lhes melancolicamente e volta para as suas funções docentes - a senhora era mestre-escola...
Para além de reflexões que pode suscitar a propósito de decadência, La Grande Bouffe foi um filme que associou Rabelais e Sade, estabelecendo-se num universo de íntima relação entre comida/sexo, prazer/dor - algo que só voltará a ser visto em algumas geniais excentricidades do realizador inglês Peter Greenaway.
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1 comentário:
El cochecito, el pisito....
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