terça-feira, março 07, 2006

Boulevard nostalgie (21)



Léo Ferré - Les Poetes: Volume 3 (Verlaine et Rimbaud) 2000 (1964)
O velho anarquista Léo Ferré merece amplo destaque dentro da chanson. Neste domínio, Aznavour à parte (num registo completamente diferente), Ferré foi sempre o meu preferido. Tinha um talento especial: o de pôr em música grandes poetas. Foi o contraponto das suas limitações poéticas... Na verdade, o que foi inteiramente composto por si demonstra uma sensibilidade assolada pelo panfletarismo. Felizmente que a sua capacidade para compôr bonitas canções compensou tal limitação. Mas, de facto, o seu esplendor está na forma magistral como musicou poetas "malditos": Charles Baudelaire, Guillaume Apollinaire, Paul Verlaine e Arthur Rimbaud (também Louis Aragon, mas quanto este é exagero qualificá-lo como maldito...) Neste domínio, o ponto mais alto foi a forma como em 1967 musicou Les Fleurs du Mal, de Baudelaire. Este facto, porém, não deve obscurecer que três anos antes editara o duplo álbum Verlaine et Rimbaud chantés para Léo Ferré. Eis aqui uma associação verdadeiramente digna do qualificativo maudit! Verlaine e Rimbaud foram malditos, desde logo pela sua vida - concretamente pela sua tempestuosa e sórdida relação. Foi uma vivência marcada pelo alcoolismo, homossexualidade, masoquismo e sabe-se lá que mais... Erráticos pelas estradas da Bélgica ou pelas ruas de Londres, sobressairam nos ambientes de comunards exilados pela sua forma de vida escandalosa. Foram tempos de emoções fortes que deram brado... Contudo, depois de Verlaine ter alvejado a tiro Rimbaud - provavelmente num acesso de ciúmes - a relação entre ambos entrou em crise definitiva, da qual resultaria o afastamento para sempre de Rimbaud, não só do seu companheiro, mas também da vida artística e cultural. Depois de uma incrível sucessão de episódios aventureiros num curto espaço de tempo (alistamento na marinha holandesa, deserção em Java, errância escandinava numa trupe de circo), Rimbaud assentou como um filisteu: negociante estabelecido em paragens exóticas (entre Áden e a Etiópia), renegando o seu passado. Pasme-se que toda a sua obra poética foi feita até aos 20 anos de idade! Rimbaud, pelo seu lado, nunca se recompôs da perda e ao longo de anos e anos tentará em vão reatar a relação perdida.
Férré musicou alguns dos mais conhecidos poemas de ambos (curiosamente, não o fez com o famoso Le Bateau Ivre, de Rimbaud). Com o seu talento de compositor e com a orquestração de Jean-Michel Defaye conseguiu um resultado espectacular. É evidente que tal implicou uma espécie de comunhão espiritual entre "malditos anarquistas"... Exemplares são os temas Il Patinait Merveilleusent (Verlaine), Le Buffet (Rimbaud), Les Corbeaux (Rimbaud), Ô Triste, Triste Était Mon Âme (Verlaine) e Les Pensionnaires (Verlaine). Neste último, a música consegue reforçar adequadamente o forte erotismo do poema.
Esta edição em CD aparece integrada numa colecção de três volumes que é a compilação de álbuns de Léo Ferré para a editora Barclay, dedicados a Baudelaire, Verlaine, Rimbaud e Apollinaire. Além da colecção corresponder a um conceito coerente, tem uma apresentação condigna.
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Página Web Léo Ferré
Página Web Paul Verlaine
Página Web Arthur Rimbaud

1 comentário:

Anónimo disse...

Estou de acordo quando considera o velho "anarca" um óptimo compositor! Gosto dele como intérprete e como POETA!
Não é um Rimbaud nem um Baudelaire, mas alguém que escreve "La solitude", "Paname", "Jolie môme", "La mémoire et la mer", "Avec le temps", "Ni Dieu ni maître" (esta doa a quem doer...) merece mais!!!