sexta-feira, março 10, 2006

Tiro ao Alvo (9)

Choderlos de Laclos - As Ligações Perigosas (Les Liaisons Dangereuses) 1990 (1782)

Este foi um caso em que o cinema me conduziu à leitura. Em finais dos anos 80 vi dois filmes construídos sobre a mesma história, a qual corresponde a um romance de finais do século XVIII. Já não sei qual dos dois vi primeiro, se Ligações Perigosas ou Valmont. Gostei bastante de ambos, se bem que o trio Glenn Close, John Malkovich, Michelle Pfeiffer seja sublime e se avantaje sobre o correspondente trio Colin Firth, Annette Bening, Meg Tilly. A qualidade e tipo de realização (Stephen Frears vs Milos Forman) equivalem-se. Mas, o que me seduziu foi, acima de tudo, o tipo de história e a sua ambientação.
Não há nada mais cultural do que o sexo. Não se pode ignorar nunca o rebarbativo lugar-comum de que o amor significa mais frequentemente infelicidade do que o seu contrário. Este facto está consagrado pelo bom-senso, pese embora a tola publicidade hedonista triunfante e é, enfim, o reconhecimento da natureza eminentemente cultural do amor. O que de melhor e pior há na espécie humana aflora neste território implacável. Pura, vã, ridícula ilusão a de se pretender que a "educação sexual" pode ter algum lugar na evolução da espécie que não o de ser mais um elemento para a desagregação de valores da civilização. Mas se se pretende alguma educação formal neste domínio, pois há que dizer que os "manuais" serão de um tipo radicalmente distinto do que o polticamente correcto imagina... Com efeito, histórias de perversidade como a que serve de sustento a estes dois filmes, demonstram-nos que amor e sexo são domínios de cultura (sentido antropológico) e carácter. Mulheres e homens combatem com as suas armas cruéis e aqueles que não têm armas ou talentos nestes combates arriscam-se a ser dizimados. Ora, as convenções sociais, com toda a sua estimável canga moralista, não existem por acaso; existem (ou existiam...), sobretudo, para proteger os mais fracos e, assim, garantir coesão na vida social. Foi precisamente em certos momentos e lugares (os ambientes da aristocracia francesa do século XVIII, por exemplo) onde tais regras e convenções entraram em crise, que a sociedade começou a desagregar-se (O Marquês de Sade é um prelúdio da Revolução Francesa...).
Não admira que ao longo do século XIX o romance de Laclos tivesse sido censurado e, pode-se dizer, considerado maldito. Os costumes burgueses não poderiam ter outra atitude. Na verdade, ele põe a nu mecanismos de perversidade de que a espécie humana é capaz - enfim, o que a sociedade sabe, mas que convencionou fazer de conta que não sabe. Transpira sageza por todos os poros e é uma cabal demonstração literária de como a espécie fornica com os neurónios. Além disso, a sua leitura, através de uma original forma epistolar, revela-se um subtil jogo psicológico enriquecido por pormenores a que o cinema não pode atender.

Choderlos de Laclos - As Ligações Perigosas (1782)
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Página Web sobre Choderlos de Laclos

Stephen Frears - Dangerous Liaisons (1988)
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Dangerous Liaisons

Milos Forman - Valmont (1989)
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Info IMDB Valmont

2 comentários:

Anónimo disse...

Zapatero- Evo Morales

Anónimo disse...

Os textos são como as cerejas! Este título lembrou-me o "Tiro ao Álvaro", de Adoniran Barbosa, um António Aleixo musical que deixou coisas espantosas! A "cultura" tem coisas que a razão não explica!!!