domingo, novembro 28, 2004

Guia hispânico (5)

Bigas Luna - Jamón Jamón (1992)
O barcelonês Bigas Luna é um dos mais importantes realizadores espanhóis. O seu cinema caracteriza-se pela orignalidade e vanguardismo, através de argumentos insólitos e imagens com impacto (quase sempre de carácter erótico). Começou na publicidade e esse facto nunca deixou de ser manifesto. O primeiro filme dele que vi, em finais dos anos 70, foi Bilbao - cuja protagonista, ostentando esse "nome de guerra", era uma prostituta de Barcelona. Retive-o na memória pelo seu decandentismo canalha. Hoje em dia tem uma consolidada carreira de realizador, mas a sua criatividade não se resume ao cinema. (Página web)
Jamón Jamón merece destaque por vários factores. O argumento é, como de costume, bizarro. Imagens de impacto são ainda mais sugestivas, talvez, do que em qualquer outro dos seus filmes. Assim, temos uma cena em que Javier Bardem, nu, lida um touro pela madrugada. Temos também a constante utilização como ponto de encontro de um desolado baldio, sob um dos emblemáticos placards da Veterano Osborne (o touro preto que domina as estradas de Espanha). São, enfim, imagens que concitam um sem número de referências de uma Espanha profunda... Há também sons sugestivos, como o bolero Otra Vez, cantado por Moncho. O filme passa-se numa desértica paisagem aragonesa, numa pequena localidade que se estende ao longo de uma estrada movimentada. Predominam cenas entre um café e um bar nocturno, daqueles que costumam ser frequentados por camioneros. Foi um dos filmes espanhóis com maior êxito comercial, pelo impacto do seu erotismo e... por Penélope Cruz. Em relação a esta última, é de notar que se trata do seu primeiro filme e aparece-nos aqui muitíssimo jovem, num absoluto esplendor. Chegou e causou logo impacto... É com deslumbramento que apreciamos a bela actriz em início de carreira, ainda, digamos, não contaminada pelo estatuto de fama global. Visto a posteriori, isto acaba por reforçar o carácter de cult movie.
Este filme já passou na nossa TV, pelo menos uma vez. Não há uma edição portuguesa em DVD, mas houve uma edição em VHS para venda e aluguer. Não me lembro do título que recebeu cá - não foi uma tradução literal (seria "Presunto Presunto" - algo desgracioso e despojado da expressividade idiomática original...).
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Rompecorazones (4)

Penélope Cruz

sábado, novembro 27, 2004

Vintage (2)

A Corda (Rope)
A obra de Hitchcock é reconhecida pelo público e pela crítica. Mas o mestre do suspense tem também filmes menores. Não são esses que geralmente vêm à memória quando evocamos a sua filmografia. Há um, porém, que está longe da primeira linha do reconhecimento e não se pode dizer que seja um filme menor. É A Corda (Rope) (1948). A trama é original, embora haja alguns outros filmes de Hitchcock tão ou mais originais. A forma como o filme é feito, nomeadamente a direcção de actores e, sobretudo, a composição do ambiente é que lhe dão um carácter insolitamente macabro. Tecnicamente também é um filme insólito, na medida em que constitui um exercício de virtuosismo - o tempo da acção corresponde ao tempo real e é filmado sempre no mesmo plano (com a mesma câmara, que se limita a correr nos carris). Ora, sucede que isto não é apenas um capricho técnico, na medida em que tem incidência no adensamento do ambiente macabro.
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Vintage (1)

Frank Sinatra - In The Wee Small Hours (1955)
É unânime entre os conhecedores do percurso musical de Frank Sinatra: o seu apogeu corresponde ao período Capitol (anos 50). Foi então que coincidiram no mais elevado grau dois factores: uma timbre vocal extraordinário e orquestrações exímias - uma boa parte das quais devem-se a Nelson Riddle. O LP aqui reeditado em formato CD reúne estes dois requisitos. Mas esta gravação é ainda particularmente importante pelo facto de ser, segundo parece, o primeiro álbum conceptual de sempre. Com efeito, até então, todas as gravações de longa duração eram um mero repositório do previamente editado em discos de curta duração - daí, aliás, a designação álbum. Assim continuou a ser, na esmagadora maioria dos casos, até ao momento em que The Beatles, Bob Dylan e outros nomes da primeira linha da pop/rock dos anos 60 e 70 impõem o álbum conceptual como paradigma e avançam para os álbuns temáticos.
O conceito de In The Wee Small Hours é uma ambiência musical e poética que converge numa linha que vai da melancolia à amargura, conduzida por reflexões suscitadas pela desilusão amorosa. A imagem da capa e o título sublinham o conceito: um Sinatra quarentão ensimesmado, de cigarro pendente na mão, numa rua deserta, no fim de uma noite que se adivinha de ter sido de desilusão... A homogeneidade musical percorre os 16 temas. Contudo, há dois que merecem destaque: What is this thing called love e Ill Wind - em ambos, mas particularmente no primeiro - brilha desde a entrada o clarinete de Nelson Riddle e uma voz magnificente no seu poder expressivo de interpretar o sentimento amargo da música e letra. Gravação feita ainda em mono, em meados dos anos 50, no alvorecer de uma nova era da música popular (germinava já o rock & roll...), este trabalho é um ponto de chegada e de partida.
Desta forma inicio a rubrica Vintage, na qual me proponho evocar música, cinema e literatura cuja qualidade, o tempo demonstrou estar acima de modas e gostos efémeros.
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Página Web (em reestruturação)

Soulsville (2)

CD2: Isaac Hayes - Shaft (1971)
DVD: Gordon Parks - Shaft (1971)
Se há algum filme cujo relevância advenha da sua BSO este é um deles. Composta por Isaac Hayes, representa um estilo e sonoridade de uma época. O tema principal, assente em wowows de guitarra eléctrica, acompanhados por um poderoso naipe de metais, é um eterno clássico, mas os restantes temas, quase todos instrumentais, são excelentes, com destaque para Do Your Thing - o mais jazzy de todos os de Isaac Hayes. No conjunto há muito poucos temas vocais, mas entre eles avulta Soulsville, que incide na questão social dos ghettos negros das grandes cidades norte-americanas.
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O filme, de Gordon Parks, protagonizado por Richard Roundtree, seria hoje encarado como um mero filme de Série B, não fora a BSO e o facto de ser a primeira vez em que o herói de um filme é um negro. De resto, a história é simples, dentro dos conhecidos cânones, mas produzida e realizada com honestidade, sem pretensiosismos descabidos. Em todo o caso, é um produto susceptível de proporcionar descontraída nostalgia. Diga-se que foi, na época, um êxito no mercado norte-americano, facto que originaria, aliás, duas sequelas.
Há um extra especial: uma sessão de gravação de Isaac Hayes e seu grupo, The Isaac Hayes Movement. É gratificante ter a oportunidade de o ver a tocar. Além disso, é curioso o contraste entre a sua calvície absoluta (avant la lètre) e a vasta cabeleira esférica (como estava então na moda entre a negritude norte-americana) dos restantes músicos. Também dá para perceber o virtuosismo da trupe, que brota de uma descontracção criativa um pouco ganzada, a qual pode deixar entrever, talvez, suspenso no ambiente, um certo cheiro a erva...
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Soulsville (1)

Isaac Hayes (1942)
Isaac Hayes foi um dos mais importantes nomes da Soul nos anos 70. Contudo, antes de se tornar conhecido como intérprete, a partir de 1969, tinha já uma trajectória como compositor do soul duo Sam & Dave. Tinha, inclusivamente, gravado e editado, como protagonista e intérprete, um LP (Precious, Precious 1967) - que só escaparia do anonimato nos anos 70. Na verdade, este descendente de escravos das plantações do Tennessee cedo procurou os caminhos da música, já que, ainda adolescente, tocava saxofone e cantava em night-clubs de Memphis.
A edição de Hot Buttered Soul (1969) assinala uma viragem na carreira de Hayes, alcançando um reconhecimento que se prolongou até finais da década de 70. A partir de então entra na obscuridade. A sua produção caiu em quantidade e qualidade, pelo menos até um efémero reaparecimento em meados de 90. A sua carreira passou a estar mais ligada ao cinema e TV - foi, por exemplo, uma das vozes de um personagem da série de animação para adultos, South Park.
Os anos 70 foram o auge da carreira musical de Hayes, que assentou numa Soul inovadora, construída com temas de longo (ou longuíssimo) desenvolvimento, com sofisticadas orquestrações e com a sua voz - ingredientes de acentuado cariz quente e amanteigado - hot buttered (seria preferível o termo aveludado...). Apesar de excelente compositor, Hayes atinge a plenitude nas versões de temas alheios. Neles, exerce uma transfiguração radical, já que os recria, tornando-os em algo completamente diferente do original. Alguns são geniais exercícios de decomposição e recomposição através de uma matriz hayesiana, única e inconfundível - é o caso de By The Time I Get to Phoenix (in Hot Buttered Soul); I Stand Accused (in The Isaac Hayes Movement); Our Day Will Come e The Look of Love (in To Be Continued); Never Gonna Give You Up (in Black Moses). Estes exemplos conduzem-nos, aliás, a um tópico crucial: as sequências faladas - raps. Foi a primeira vez que se utilizou o termo, podendo-se dizer que 10 anos antes da eclosão do Rap como género, já havia surgido, mas com uma feição bem distinta, com mensagens e formas sensuais ou mesmo eróticas. Os Ike's raps tornam-se uma imagem de marca e em certa altura da sua produção discográfica chegou a ser utilizada uma curiosa contagem (Ike's rap nº4, Ike's rap nº5, etc...).
O título do LP Hot Buttered Soul tornou-se designação extensível ao estilo. Este LP "fundador" e uma série de LP's subsequentes (todos com o selo da editora Stax) consolidaram-no. Entre eles avulta a banda sonora original (BSO) do filme Shaft, que representou o ponto mais alto da carreira de Hayes, correspondendo ao Óscar de melhor BSO (1971).

Rádio (3)

La Mega 97,9 FM / Nueva York
Esta é uma das várias emissoras que emitem exclusivamente em espanhol na área metropolitana de NY. Como a maioria, dedica a maior parte dos seus espaços musicais à salsa e reggaeton. A animação é constante, graças a um forte ritmo de emissão, que está sustentado em jingles imaginativos e numa locução agressiva. O programa estrela é El vacilón de la mañana.

sexta-feira, novembro 26, 2004

Salsa y merengue (6)

India - Dicen que Soy (1994)

Na origem da salsa foram decisivos artistas como a cubana Célia Cruz, o porto-riquenho Tito Puente, o panamenho Rubén Blades e produtores como Ralph Mercado. Todos convergiram nos meados de 70, em Nova Iorque, tecendo inovadores cruzamentos de son, mambo, jazz e rock... A cubana estabeleceu-se como la reina de la salsa e nesse indisputado trono permaneceu até ao fim da vida. Porém, deixou uma sucessora, à qual consentiu o apodo de princesa de la salsa. Trata-se de India. Lançada por Ralph Mercado - produtor hegemónico no universo salsero - e apoiada por tão fortes credenciais, a jovem teve oportunidade de demonstrar as suas qualidades. Entre estas destacam-se a garra interpretativa e a voz poderosa. Parcialmente limadas certas arestas (a saber, alguma estridência), chega a este seu segundo álbum. Apoiada por adequados meios de produção, India vê-se consolidada como princesa de la salsa - algo que foi reforçado por uma imagem de mulher agressiva e descomplexada. Ora, importa salientar que este álbum torna-se incontornável por Ese hombre (música de Manuel Alejandro; letra de uma tal Ana Magdalena). Originalmente interpretada por Rocío Jurado, dir-se-ia (sem nenhum desprimor para a andaluza) que a canção encontra finalmente a voz e o estilo a que estava destinada... É um explosivo concentrado de despeito feminino em forma de insulto, disparado com toda a fúria salsera. É insólito e grandioso! Por alturas de 1994-95 ouvia-se assiduamente em Espanha através das ondas da Cadena Dial..
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Audio Sampler CDUniverse

Salsa y merengue (5)

Célia Cruz (1924-2003)

A salsa é de Nova Iorque, mais do que de outro lugar. Na área metropolitana desta cidade vivem cerca de três milhões de hispanos, ou seja, quase um quinto do total da população. Aí, em muitos sítios, a língua mais comum é o castelhano. Há muitas estações de rádio e de TV que emitem exclusivamente em castelhano. À semelhança do que ocorre por todos os Estados Unidos, os hispanos, mais do que uma comunidade, constituem um conglomerado de comunidades. Se, na imensidão que vai do o Texas até à California predominam os chicanos, na Florida predominam os cubanos. Sucede que em NY predominam os porto-riquenhos. Pois foi entre a comunidade porto-riquenha que surgiu a salsa, em meados dos anos 70. Contudo, os seus antecedentes entroncam-se no son cubano e alguns dos seus mais destacados protagonistas foram cubanos exilados. Com efeito, se a cubana La Lupe pode ser considerada um "pré-arranque" da salsa, outra cubana, Célia Cruz, é indiscutivelmente o nome maior da salsa propriamente dita. Daí, aliás, ter sido conhecida como la reina de la salsa. Recentemente desaparecida, a artista permanece como um dos mais poderosos símbolos do muundo hispano nos Estados Unidos.

Rompecorazones (3)

Tania Libertad - Mujeres Apasionadas (1997)
Ainda não tenho este CD. Revela-se complicado atingir esta prometida jóia... Na capa: título sugestivo; bela face e olhar expressivo; formidável pose; toilette requintada, estilo anos vinte. Na gravação: voz de invulgar beleza; naipe insuperável de boleros e rancheras de três mulheres de paixões superiormente sublimadas: María Grever (Cuando vuelva a tu lado...); Chelo Velázquez (Bésame mucho...); Emma Valdelamar (Mucho corazón....) Tem que ser uma jóia!!!

Guia hispânico (4)

Hugh Thomas - El Imperio Español - De Colón a Magallanes (2003)
É grande a quantidade (e qualidade) de hispanistas britânicos, em particular na historiografia. Em Cambridge parece existir um interesse sem fim pelos mistérios da "pele do touro"... Hugh Thomas, ao qual se deve um clássico sobre a Guerra Civil, fez sair há pouco tempo uma síntese sobre a construção do Império Espanhol. É sintomática a inexistência de uma tradução portuguesa e a improbabilidade de vir a existir. Na verdade, o interesse e conhecimento sobre estes assunto está, entre nós, reduzido a meia dúzia de superficialidades. A mais recorrente consiste na contraposição do modelo de expansão português, supostamente benévolo, frente ao modelo castelhano, supostamente malévolo. É algo que não resiste às mais elementares realidades (nomeadamente o carácter intrinsecamente esclavagista do empreendimento lusitano - tráfico negreiro), mas que persiste como legado de uma percepção nacionalista do nosso passado. Mais além de anacronismos valorativos e insensatos relativismos culturais, o empreendimento castelhano é dotado de uma grandeza civilizacional ímpar! O maior mérito desta síntese consiste, precisamente, em nos fornecer dados para se avaliar a dimensão dessa obra. Além disso, é sempre um prazer penetrar numa narrativa historiográfica liberta dos (pre)conceitos estruturalistas, à boa maneira das academias anglo-saxónicas. Enfim, história pura e dura, com factos, nomes e apelidos.
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quarta-feira, novembro 24, 2004

Guia hispânico (3)

Estado: Veracruz - Llave (Capital: Xalapa de Enríquez)

Estado: Jalisco (Capital: Guadalajara)

domingo, novembro 21, 2004

Mariachi y tequila (9)

La estrella de Jalisco

Aunque quisiera ya
no puedo comprender
no sé no me lo explico.
Busqué la estrella más bonita
del cielo de Jalisco
y te la dí una vez
que te arrulle al vaivén del lago de Chapala
mientras la luna azul
nos envolvía en su luz
y se metía en el agua.
Por tu tremendo amor
yo ya podía esperar
la muerte entre tus brazos
sentí que poco a poco el cielo
se me caía en pedazos
y te mire temblar
y se quebro tu voz
un tanto apasionada
y te entregue mi amor
como se da el amor
sin preguntarte nada.
Pero se fue la noche
y me quede llorando
llorandotu abandono
y amanecí en la vida
alrededor de nada
completamente solo.
Por eso ya lo vez
no puedo comprender
no sé no me lo explico.
Busqué la estrella más bonita
del cielo de Jalisco
y te la dí una vez
y te arrullé al vaivén
del lago de Chapala
mientras la luna azul
nos envolvía en su luz
y se metía en el agua.
José Alfredo Jiménez

terça-feira, novembro 16, 2004

Viagens (9): Picos de Europa / 2001 (3)

2º Dia – 5 de Abril (5ª Feira) (tarde)

Passou-se a fronteira. Depois da placa azul com as estrelinhas da UE anunciando “España”, a placa “Castílla y León” e logo outra indicando “Província de Zamora”. A estrada continuava estreita e cheia de curvas, mas o piso melhorara e surgiram guias de berma. Logo a seguir passei por Calabor. O contraste com a aldeia de França era evidente. O aspecto desértico era o mesmo, só que todas casas eram tradicionais, com telhados de ardósia e alpendres de madeira. Uma boa parte delas eram modernas. Algumas das mais antigas estavam em ruína.
Os vinte quilómetros seguintes demonstraram o isolamento dos calaboreños. Não se viu nenhum carro ou vivalma e não se avistou uma única casa. A paisagem ia ficando cada vez mais árida. Era lógico concluir que estavam mais próximos do resto da humanidade, passando a fronteira. Aliás, farão caminho mais directo para a sua capital de província através de Bragança, reentrando em Espanha por Quintanilha.
Subitamente, ao fim de um curva, deparou-se Puebla de Sanabria e o seu castelo. Casas novas e velhas tinham todas telhados de ardósia. O aspecto era agradável. No centro havia vários bancos e um comércio airoso. Daí, atingiu-se rapidamente o lago de Sanabria. Encaixado entre grandes moles rochosas, que do noroeste descem de mais de 2000 metros (Peña Trevinca), o lago, com águas escuras, tinha um aspecto selvagem que condizia com as suas origens glaciares. Comi numa cafeteria de Ribadelago e foi uma experiência má, pois a conta apresentada por uma mulher antipática era inverosímil, dada a correspondente falta de qualidade. Tendo em conta algumas lendas locais, aquela criatura foi como que um monstro saído do lago, que acabara de consumar um acto de extorsão com um gesto glaciar...
Após o almoço, tomei a Autovía das Rías Baixas até Benavente. É a ligação entre o sul da Galiza e Madrid e o seu tráfico intenso foi um contraste com as estradas ermas de onde vinha. Adentrei-me numa paisagem cada vez mais castelhana, com planuras extensas e montanhas ao fundo. Não havia tempo para ver Benavente, que, certamente, terá motivos de interesse, ou não fosse uma das muitas localidades castelhanas com História. Aí virei a norte, tomando a estrada que seguia rumo a León e que faz parte do eixo que liga as Astúrias à Andaluzia. Passei ao lado de León. No sábado e domingo haveria oportunidade de visitar a cidade, como se impunha.
Daí para cima as opções restringiam-se a estradas muito secundárias. A paisagem foi-se tornando cada vez mais verde e montanhosa. Belíssimas aldeias foram surgindo ao longo do trajecto, o qual era ladeado, quase sempre, por pequenos cursos de água revolta. Surgiam prados e mais prados, assim como montanhas cada vez mais altas de onde iam sobressaindo, por detrás, alguns cumes nevados... Era uma paisagem de bilhete postal, que só não incutia paz de espírito por alguma incerteza sobre a existência de hotel no fim da jornada, que era em Riaño. Na verdade, os sinais de povoamento iam-se tornando cada vez mais raros na penumbra do fim da tarde, não deixando dúvidas que me internava num extremo isolamento.
Finalmente apareceu Riaño, num enquadramento fantástico - implantada numa península saliente a meio da albufeira. Em seu torno, os abruptos picos nevados davam à paisagem um ar de conto de fadas. Sabia que a primitiva aldeia ficara debaixo das águas da albufeira. As duas igrejas tinham sido reimplantadas pedra a pedra – o resto era novo, mas com uma arquitectura de qualidade.. A sensação de paz e isolamento era total... mas havia, senão um hotel, pelo menos um hostal! Um hostal de aspecto montanhês. O jantar (cordero asado acompanhado por um Rioja) foi uma redenção em relação ao almoço!

sábado, novembro 13, 2004

Castilla (10): Castilla y León

Ávila de los Caballeros

Castilla (9): Castilla y León

Nada te turbe

(Letrilla que llevaba por registro en su breviario)

Nada te turbe;
nada te espante;
todo se pasa;
Dios no se muda,
la paciencia
todo lo alcanza.
Quien a Dios tiene,
nada le falta.
Solo Dios basta.
Santa Teresa de Ávila (1515-1582)

Boulevard Nostalgie (16)

DVD: Marco Ferreri - La Grande Bouffe (1973)
Nos anos 70 a produção cinematográfica europeia era dominada por uma sensibilidade esquerdista. Este facto, compreensível no contexto daqueles tempos, não deve levar-nos a ignorar o brilhantismo de alguns filmes. Efectivamente, se uma parte desse cinema ficou irremediavelmente datado, sucede, por outro lado, que muito do que de melhor foi feito, com espírito rebelde e iconoclasta, foi feito nesse tempo e não se imagina que pudesse ser feito agora... É o caso deste filme, de Marco Ferreri (mais um italiano afrancesado...).
O argumento é uma metáfora que encaixa no tipo de denúncia simplista dos vícios da sociedade burguesa. Esta que foi a forma mais comum de apresentar o filme na altura, é uma interpretação redutora. Com efeito, o argumento parece tocado por aquela graça anarco-surrealista que não anda longe do génio buñueliano. Mas se o argumento é um achado (um grupo de quatro burgueses, consumados gourmands e amantes dos prazeres da vida, que se encerram numa mansão para se empanturrarem com opíparos manjares, em sessão contínua até ao suicídio...), o casting e a realização dão-lhe um definitivo toque de génio. Quatro pesos pesados do cinema francês e italiano repartem o papel de sibaritas: Michel Picolli; Philippe Noiret; Ugo Togazzi; Marcello Mastroianni. A eles junta-se uma Andrea Ferreol que, com o seu perfil felliniano, no limiar de uma pungente obesidade, compõe um papel de gorda lasciva. A componente sexual é protagonizada por esta figura de nutridos seios e nádegas, com comportamento tão relaxado como a das suas carnes flácidas. Com efeito, a determinado momento, o garanhão do grupo (quem haveria de ser senão Marcello?) entende que o prazeres carnais não se devem restringir à mesa... Depois de, por encomenda pontual, ter usufruido dos serviços de jovens esbeltas, mas de todo alheias ao espírito do grupo, Marcello seduz Andrea, que se aproximara da cerca da mansão e convence-a (com facilidade…) a entrar no empreendimento.
Temos a sensação que estes grandes actores são deixados em roda livre. Aliás, significativamente, o nome dos personagens coincide com o nome dos artistas e o registo que cada um assume está de acordo com o imaginário que temos deles. Andrea é a parceira ideal - em rigor, não faz parte do grupo; aparece por lá e por lá fica, a instâncias de Marcello e perante a desconfiança inicial dos restantes três, que encaravam a reclusão com espírito misógino.

A decadência progressiva do grupo é patética! Algumas imagens são inolvidáveis, nomeadamente a morte de Michel Piccoli, suspenso num parapeito, em épico transe de libertação de gases... O patético acentua-se quando o instrumento viril de Marcello deixa de funcionar, suscitando nele um desconcertante desespero. Os quatro morrem de formas bizarras, mas Andrea sobrevive-lhes melancolicamente e volta para as suas funções docentes - a senhora era mestre-escola...
Para além de reflexões que pode suscitar a propósito de decadência, La Grande Bouffe foi um filme que associou Rabelais e Sade, estabelecendo-se num universo de íntima relação entre comida/sexo, prazer/dor - algo que só voltará a ser visto em algumas geniais excentricidades do realizador inglês Peter Greenaway.
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Boulevard Nostalgie (15)

LP: Herbert Pagani - Pagani a Bobino (1976)
Não foi feita ainda uma edição em CD desta gravação ao vivo de Herbert Pagani, o que é incompreensível, já que se trata de um trabalho excepcional. Pagani morreu em 1988, com apenas 44 anos, vítima de leucemia - uma desgraçada ironia para quem amava a vida e tinha uma conceito radicalmente optimista da condição humana. Aliás, uma vida que denota valores que foram sempre coerentemente assumidos como base inspiradora da sua arte, a qual não se reduziu à música. Eram valores que reflectiam uma sensibilidade libertária e ecologista, num empenhamento que era mais a um nível filosófico do que programático. A sua carreira foi feita quer no âmbito francês, quer no âmbito italiano, reflectindo o seu natural bilinguismo. Note-se que nasceu na Líbia no seio de uma família judia italianizada e que a sua vida adulta decorreu entre Itália e França.
O LP em apreço notabilizou-se, sobretudo, pelo tema L'Amitié - uma "hino instântâneo" que teve na época alguma repercussão. Contudo, está longe ser apenas um desfile de temas, já que obedece a um plano conceptual, construído em torno de valores e vivências do artista, num tom de arrebatado lirismo e emotividade. Ou seja, é um espectáculo que transcende o plano musical e que obedece a um guião de tipo quase teatral... Existem muitos temas musicais de elevada qualidade (destaco Leçons de Peinture, Serenade...) e declamações, que fazem a ligação entre eles. É esta intrínseca qualidade artistica que permite transcender o cliché da vulgata ideológica e confere intemporalidade.
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quinta-feira, novembro 11, 2004

Perros callejeros (5)

Los Chunguitos - Morir de Amor (2003)
Não conheço este álbum - provavelmente será o último (era temerário assegurar probabilidade semelhante nos anos 70 ou 80, quando a sua produção chegava a ser de mais de um álbum por ano...). Contudo, a pose da capa (que não, necessariamente, o título, enfim...) sugere alguma pacificação. O que é curioso neste trio rumbero, é que não foram afectados pelo sucesso comercial das suas irmãs. Com efeito, com excepção de um ábum, que foi um equívoco, mantiveram-se sempre num rumo muito próprio.

Perros callejeros (4)

Los Chunguitos - 1974-1992 Pasión Gitana (1992)
São várias as antologias em CD de Los Chunguitos. Esta é a mais representativa da sua longa trajectória. Aqui estão presentes os seus temas mais carismáticos: Dáme Veneno, Pa ti pa tu Primo, Soy un perro Callejero (versão original), Me Sabe a Humo, Embustera, Me Quedo Contigo, Vagando por Ahí, Ay que Dolor!, Por la Calle Abajo, Prisionero, Sangre Caliente... Crónicas de presos, de mulheres traiçoeiras, de vinganças passionais, de solitários marginais.
Pop/Rumba hard core - não aconselhável a gostos pudibundos, politicamente correctos, muito mainstreem...
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Perros callejeros (3)

Dinastia Salazar
Los Chunguitos são um dos vários produtos musicais de uma família - Salazar. Na verdade, um dos seus tios foi um nome importante do flamenco - Porrina de Badajoz. Por outro lado, o famoso duo Azúcar Moreno é constituído pelas duas irmãs mais velhas. Estas começaram como coros das suas gravações e espectáculos. O dúo Alazán é composto por duas primas. Entretanto também chegou a vez da irmã mais nova e de um sobrinho, que consituiram o duo Romanó, o qual começou logo com uma produção feita em Miami. Ver informação.

segunda-feira, novembro 08, 2004

Noites tropicais (6)

Zizi Possi - Sobre Todas as Coisas (1991)
Portugal teve sempre o privilégio de estar próximo da música brasileira, tendo aqui os seus artistas ampla divulgação e popularidade. Contudo, este facto pode iludir que alguns nomes importantes permanecem pouco menos que deconhecidos entre nós, o que é válido para a paulista Zizi Possi (de ascendência napolitana).
Sobre Todas as Coisas nasceu como show e só depois passou á condição de disco, o que se nota, aliás, em certos aspectos do seu conceptualismo. Note-se que a artista tem uma voz de grande beleza e é ao mesmo tempo pianista de formação clássica. Sobre esta base privilegiada, a partir de finais dos anos 80 (com Estrebucha Baby), a sua carreira beneficia de um salto qualitativo, com produções sofisticadas e com um cada vez mais apurado critério na escolha de repertório. No caso em apreço, os temas são standards da canção brasileira ou da autoria de nomes grados da MPB - é, portanto, um disco eminentemente brasileiro. Porém, acentua-se uma configuração intimista que se assume, por vezes, como recriação num plano de intenso lirismo e delicadeza. É um produto do mais refinado bom-gosto, parecendo ser estes adjectivos que naturalmente emanam da sua figura de sempiterna beleza...
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Viagens (8): New York - New Jersey / Agosto de 2000 (2)

Notas de férias: Paisagem Urbana
Muitas das coisas relativamente surpreendentes que pude apreciar nessas férias em New Jersey já contava com elas. Contudo, uma das que verdadeiramente me surpreendeu foi a paisagem urbana. Não foi o facto de a esmagadora maioria das casas das zonas habitacionais serem vivendas unifamiliares de madeira - algo que já sabia de antemão, embora a sua proporção superasse o imaginado. Foi, isso sim, a amplitude de espaços e a quantidade de espaços verdes nas zonas habitacionais. Esta observação não é válida para Nova Iorque, propriamente dita, mas aplica-se a toda a zona norte do estado de New Jersey e, presumo, a toda a vastíssima área periférica da Grande Nova Iorque. Quando ressalvo o caso de Mannhathan, há que ter a noção da sua especificidade - uma ilha longuilínia com uma saturadíssima densidade urbana - e não esquecer que no seu centro se implanta aquele que deve ser o maior parque urbano do mundo - Central Park. Por todo o norte do estado de New Jersey as cidades não tem semelhança alguma com as cidades periféricas das áreas metroplitanas europeias. Estendem-se por vastas superfícies e consistem em aglomerados de vivendas no meio de baldios abertos (nos piores casos) ou no meio de autênticos bosques (nos melhores). As árvores e os revaldos estão presentes em grande quantidade. Pensava que este facto seria uma constante da América do Norte, mas que esta região seria uma das pontuais excepções. Assim não é. Passa-se o Hudson e o que mais há é espaço. Apesar da densidade populacional estar muito longe de ser baixa, não faltam espaços residenciais de grande sossego. O centro de cada uma dessas cidades suburbanas (com parcial excepção de Newark), limita-se a ser um cruzamento com semáforos e um par de edifícios de pedra e meia dúzia de lojas. A construção em altura é uma absoluta excepção que concide com estes pontos. As zonas residencias têm pouco comércio e um movimento escasso. Enfim, é um pleno contraste com Nova Iorque.

domingo, novembro 07, 2004

Rompecorazones (2)

Daniela Romo - Mis mejores canciones - 17 Super Exitos Vol. II (1993)
Entre as várias antologias de Daniela Romo editadas em CD esta não é a mais representativa, além de que é paupérrima em termos informativos. Contudo, aqui constam dois dos seus temas mais fortes: Amor Prohibido e Yo no te Pido la Luna.
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Rompecorazones (1)

Daniela Romo
Em 1983 a belíssima mexicana Daniela Romo, que até então se notabilizara como modelo, irrompeu na cena musical. Com um género comercial simples, entre temas dançáveis ao jeito disco e baladas românticas, teve uma estreia auspiciosa, confirmada um ano mais tarde com o álbum Amor Prohibido. Em breve a sua carreira alargou-se ao cinema e à televisão, protagonizando, por exemplo, algumas telenovelas. No final dos anos 80, a sua popularidade estava firmada em todo o mundo de expressão espanhola.

sexta-feira, novembro 05, 2004

Viagens (7): Picos de Europa / 2001 (2)

2º Dia – 5 de Abril (5ª Feira) (manhã)

O primeiro destino do dia seria a Serra de Montesinho, o segundo o Lago de Sanabria e o terceiro, Riaño, já nos Picos de Europa. O tempo não estava soalheiro, porém parecia esconjurada a ameaça de chuva. Ao deixar Mirandela, confirmei a ideia de véspera – era uma localidade agradável e que poderia ser um ponto de partida para uma futura exploração do Nordeste Transmontano.
Em breve se chegou a Bragança – para não deixar de ter alguma imagem da cidade, deixei a IP4 e internei-me no núcleo urbano. Foi decepcionante – a zona nova era vulgar; a zona antiga estava demasiado degradada e sem encanto especial. De atraente encontrei somente a imagem do castelo, com a sua torre de menagem. Foi pena que nesta incursão, feita exclusivamente de automóvel, não se me tivesse deparado o ex-libris brigantino – Domus Municipalis.
De Bragança tomei uma estrada secundária em direcção a Espanha, através do Parque Natural da Serra de Montesinho. Ao longe avistavam-se os cumes nevados das serranias de Sanabria. As referências sobre a região destacavam duas localidades: França e Rio de Onor. Resultava incompatível conciliar uma passagem pelas duas. A opção pela segunda era pouco prática, pois o mapa indicava que a estrada em Espanha não era alcatroada. Além disso, tinha a ideia de que o interesse de Rio de Onor residiria apenas no facto de estar dividida pela fronteira. Note-se que em tempos antigos as gentes destas terras falavam leonês e tinham a mesma forma de vida, de um e de outro lado da fronteira. O mirandês (dialecto astur-leonês), cujos resquícios ainda hoje sobrevivem mais para sudeste, é, juntamente com esta comunidade aldeã transfronteiriça, o que ficou dessa primitiva unidade.
Montesinho, fazendo jus ao nome, mais que uma serra é uma bucólica colecção de montes. A aldeia de França, porém, foi uma desilusão - notei um punhado de casas características, com telhado de ardósia, mas degradadas, perdidas num conjunto incaracterístico, onde imperavam as portas e marquises de alumínio. Além disso, parecia uma aldeia fantasma, habitada por cães... Num café, onde se cumpriu o ritual de despedida do café português, indaguei as razões do nome da terra, mas a sorumbática mulher, que estava atrás do balcão, nada esclareceu, encolhendo os ombros com enfado.
Imediatamente antes de se abandonar Portugal, uma pequena placa apontava a direcção para uma aldeia anunciada como "preservada". De facto, perante o exemplo de França, é sensato imaginar que se impunha preservar alguma aldeia. Por um caminho poeirento entrei nas profundezas da Serra e, no fim, pude admirar uma aldeia genuína. Suspeito que foram os serviços do Parque Natural que possibilitaram a sua preservação.