O nacionalismo português desenvolveu-se de braço dado com um sentimento anti-espanhol, ou, pelo menos, anti-castelhano. Quando a história veiculava valores nacionalistas, havia uma galeria de heróis e de feitos exemplares que ilustravam tal sentimento. Imagino que a primeira lista do programa Os grandes portugueses albergaria alguns desses heróis, já que a educação nacionalista do Estado Novo (e da 1ª República...) foi assimilada em condições de conseguir não sossobrar de todo à cultura de massas vigente. Já agora, diga-se que a escola actual não inculca valores nacionalistas. Nem nacionalistas, nem outros, já que é um exagero apodar de valores a meia dúzia de insonsas banalidades cívico-democráticas ensopadas em molho de politicamente correcto com que os nossos alunos são hoje em dia servidos... Ora, vem isto a propósito para chamar a atenção que há um vulto que a educação nacionalista não contemplou. Trata-se de D. Luís de Vasconcelos e Sousa, 3º Conde de Castelo-Melhor. Provavelmente, entre portugueses, ninguém teve uma acção tão decisiva para Portugal ser independente.
A Restauração (1 de Dezembro de 1640) só se decidiu mais de vinte anos depois de ter sido proclamada. Durante todo esse tempo a situação foi de uma absoluta precaridade. Nem mesmo o declínio a pique da Monarquia Hispânica deixava na cena política europeia algum espaço de optimismo quanto às suas possibilidades de sobrevivência. Ocorrera como um efeito colateral do crescente poder da França de Richelieu, que foi usado de forma oportunista por essa e outras potências e, assim, se prolongara. O seu destino foi-se jogando num complicado xadrez que envolveu a França, Inglaterra e Províncias Unidas (Países Baixos). Ainda por cima, internamente, os actores que desencadearam o processo (nobreza provinciana e jesuítas) experimentaram ao longo desses anos vacilações e divisões que tornaram evidente a precaridade da situação.
Mas, ao fim de vinte anos parecia ter chegado o momento decisivo - a Monarquia Hispânia achava-se, finalmente, em condições de pôr fim à rebeldia. Era iminente a invasão. A única viabilidade para os Braganças parecia consistir em pôr-se nas mãos dos ingleses. O casamento de D. Catarina com Carlos II e o seu valioso dote (Tânger, Bombaim, dinheiro e facilidades comerciais) representou uma opção de realpolitk que se pode traduzir como ficar de cócoras... Foi essa a desesperada opção da regência de D. Filipa de Gusmão. Porém, tal estratégia foi corrigida pelo golpe palaciano do Conde de Castelo-Melhor. Sucede que, verificando tão comovente fraqueza, os ingleses acarinhavam a hipótese de não arriscar em demasia pelo débil aliado, assegurado que estava o valioso dote de D. Catarina. Estavam em condições de o fazer, de forma discreta e eficaz, já que eram mediadores entre Lisboa e Madrid. Em parte, pela indignação causada pelo dote, em parte pela percepção de que as diligências do embaixador inglês em Madrid apontavam em perigosa direcção, Castelo-Melhor fez girar a política de alianças na direcção do ambicioso Luís XIV. A nova estratégia passou pelo casamento do lastimável D. Afonso VI com uma princesa francesa, Maria Francisca (após árduas negociações). Havia tudo a ganhar numa aproximação a França. Além de pôr a Monarquia Hispânica em guarda, pôs em guarda a própria Inglaterra e estabeleceu o melhor cenário para a guerra. Se a tudo isto acrescentarmos uma magnífica condução das operações militares, temos aqui o que representou a governação de Castelo Melhor. Foram poucos, mas decisivos anos. Só que sua força (e fraqueza) assentava num rei incapaz (D. Afonso VI), que manietava. Ganha a guerra, acabou por ser removido, como o próprio rei, aliás. Foi um golpe perpetrado pelo príncipe D. Pedro e, curiosamente, instigado pelos franceses. Implicou, também que a princesa Maria Francisca passasse de esposa do rei (provou-se que o casamento nunca fora consumado carnalmente e obteve-se dispensa papal) para esposa do irmão, novo homem forte e futuro rei D. Pedro II. Mas o essencial estava já alcançado. Derrotada e acossada por todos os lados, a Monarquia Hispânica ansiava pelo Tratado de Paz. Este chegaria em 1668.
A acção política de Castelo-Melhor não foi motivada por uma orientação francófila. Não por acaso o seu afastamento resultou de intriga francesa. A sua orientação consistiu em aproveitar as rivalidades das potências europeias e tal implicou, num dado momento, a aproximação à França. Ganha a guerra, tal aliança deixou de ser crucial. Esta orientação teve continuidade na regência e reinado de D. Pedro II. O apoio francês à sua subida ao poder foi circunstancial, pois visava evitar a assinatura do Tratado de Paz com a Monarquia Hispânia. O facto de não o ter conseguido é demonstrativo dessa continuidade. Seja como for, na parte final do reinado de D. Pedro II haverá uma grande mudança: começará a inserção de Portugal na órbita do que viria a ser o Império Britânico.
Quanto a Castelo-Melhor, durante o exílio, esteve em França, Sabóia e Inglaterra, onde frequentou a corte (diz-se que providenciou o sacerdote católico que deu a extrema unção a Carlos II). No início do reinado de D. João V estará de volta, e durante a sua prolongada e respeitada velhice encontrar-se-á nos mais influentes círculos da corte.
Conde de Castelo-Melhor in Wikipedia
4 comentários:
Que maravilha Edmundo, esta lição de história!
Seve
El alma de la ojeriza contra España y contra la casa de Austria fue el soberbio y despotico Richelieu, ministro de Luis XIII, y Cardenal medio cismatico, a quien apellidaron en su tiempo papa de los calvinistas y patriarca de los ateos. Este consejero terrible no perdonó medio para hacer cuanto daño pudo a España, tanto en su interior como en el exterior, y desgraciadamente consiguió su intento con perjuicio de la religión, del derecho, y hasta de los prestigios de la S. Sede. Portugal se proclamó independiente y se levantó por Rey al Duque de Braganza, al cual reconoció inmediatamente el gobierno francés, y ayudaron en su empresa todos los protestantes, empezando por los holandeses.
No Verão passado, no regresso de Salamanca, parei umas horas em Ciudad Rodrigo - o suficiente para ver a magnífica exposição "Kyrios, Las Edades del Hombre", na Catedral, e descobrir dois livros interessantes: "Portugal en el Archivo Municipal de Ciudad Rodrigo", de Rui Cunha Martins e, de Rafael Valladares, "La Guerra Olvidada, Ciudad Rodrigo y su Comarca durante la Restauración de Portugal (1640-1668)".
Este último trata do inesperado envolvimento da comarca de Ciudad Rodrigo e como esta sofreu com os saques e devastações, em nada comparáveis aos efeitos da peste, de finais do século XVI. Desde o início que Ciudad Rodrigo estava destinada a ter papel destacado naquela guerra, dada a sua situação geográfica – a chave que abria ou fechava o caminho entre Portugal e a Meseta. Perante outros problemas que Madrid considerou prioritários, como a guerra da Catalunha, e dada a falta de recursos, Filipe IV confiou a defesa daquela fronteira aos recursos de que os locais dispusessem. Para chefe supremo daquela fronteira foi nomeado o duque de Alba, descendente do "Gran Alba", que havia comandado a invasão de Portugal, em 1580, e que se encontrava em conflito com o valido Olivares, o qual o teria nomeado general para o afastar de Madrid.
Rey Luis XIV de Francia, Alias " El Moro"
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