quinta-feira, dezembro 14, 2006

Tiro ao Alvo (16)

O livro de Carolina

Em boa verdade, as revelações de Carolina não acrescentam nada ao que já se sabia. Há muitas calúnias, mentiras, meias verdades e exageros. Mas há, certamente, algumas realidades que não se podem, nem devem ignorar, sobretudo pelos que, como eu, são orgulhosos da sua condição portista. Torna-se cada vez mais visível que Jorge Nuno Pinto da Costa foi decisivo e indispensável na ascensão e consolidação do FCP, mas perdeu brilho nos últimos anos. Sabe-se que nunca foi, nem pretendeu ser, um modelo de virtudes. Para os adeptos, o que sempre interessou foram as suas capacidades de líderança, cujos resultados transcenderam tudo o que se poderia imaginar e que jamais algum dirigente desportivo conseguiu alcançar. Todos os portistas, lhe estarão eternamente gratos. Tem um lugar à parte na história do clube. Contudo, não há personagens isentos de defeitos e Jorge Nuno Pinto da Costa é uma moeda de duas faces. Na menos brilhante inserem-se algumas práticas de "não olhar a meios para atingir fins". Acredito que entre meados de 80 e meados de 90 tivesse havido algum manejo de bastidores, em que se tentou influenciar a arbitragem e que isso deu alguns frutos, embora, nem pouco mais ou menos aqueles que, em típico delírio de inveja, foram e são esgrimidos... Nesse tempos, e dadas as circunstâncias, era compreensível. O futebol português era um mundo à margem. Entre influências institucionais vindas de um longo passado e pequenos jeitos para amigos, que sempre caracterizaram uma sociedade com uma matriz mental de manhas e expedientes camponeses, quem renunciasse a essas vias seria um tolo. Nesse contexto, tais manejos eram compreensíveis. Será necessário um pesado facciosismo ou, mesmo, alguma má-fé para não reconhecer que os outros só não o fizeram com eficácia, não por renegarem os métodos, mas por incompetência. O essencial é que, numa estratégia que incorporou tais práticas, se construiu a base para uma boa equipa de futebol, dentro das quatro linhas. A sua legitimidade não foi menor do que aquela que havia na base de amparo institucional para o Sporting dos 5 Violinos ou o Benfica de Eusébio. Seja como for, insisto, construiu-se a estrutura para o melhor futebol efectivamente jogado em Portugal e com projecção internacional.
Os tempos mudaram, evoluíram. Descontado o oportunismo das frustradas legiões de adeptos sportinguistas e benfiquistas, as exigências éticas foram crescendo. A persistência de tais práticas, pela força da rotina e do vício, tornou-se um inconveniente excesso de zelo. Nada trouxe de bom, sob nenhum ponto de vista, desde há uma década para cá. Nos últimos anos, entre os três grandes, o FCP é o relativamente menos beneficiado pelas arbitragens. Temerosos por serem associados a tais práticas, os árbitros, in dubio, decidem contra as cores azuis e brancas. Contudo, Jorge Nuno Pinto da Costa tem dificuldade em exercer de timoneiro sem esse modus operandi e, além do mais, certos males de um ego desmedido têm vindo a agravar-se. O livro de Carolina é o resultado destes dois factores.
Seria absurdo imaginar que a nação benfiquista seguisse o velho princípio imperial: "Roma não paga a traidores". Pelo contrário, esse universo plebeu recompensa, com entusiasmo pueril, os traidores. De certa fora, é a metáfora do país que temos, acrisolado na inveja. Imaginam o seu rival com depositário de todos os defeitos mafiosos, porque não aguentam a evidência do mérito das suas glórias. Afadigam-se em encontrar a chave do segredo, exclusivamente nos terrenos mais pantanosos, mas as tentativas de encontrar um padrinho superior têm sido grotescas e algumas, como o fenómeno Vale e Azevedo, trouxeram vexames inomináveis.
Pelo seu lado, a aristocracia de Alvalade insiste em proclamar as suas virtudes num processo que desde há muito consolidou uma cultura de derrota, servida por um exemplar espírito calimero.
Dois tipos distintos de medíocridade instalaram-se e criaram raízes na Segunda Circular. Na Invicta, criadas as indispensáveis estruturas que, em devido tempo, permitiram as condições para as vitórias internas, instalou-se um futebol competitivo e susceptível de proporcionar qualidade dentro das quatro linhas, conquistando glórias na Europa e no mundo. Para os portistas, evidentemente, há que preservar este estado de coisas, mas para os mais lúcidos, como Miguel Sousa Tavares, chegou a hora de dizer que, para tal, talvez seja preciso que o tempo de Jorge Nuno Pinto da Costa acabe. Entre os portistas que se discuta serenamente tal questão. Quanto a outros, pois que continuem a pagar a traidores. Vão longe!

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