quarta-feira, outubro 24, 2007

Viagens (56): Norte de Itália / Julho - Agosto de 2001 (8)


5º Dia (4ª Feira)(noite)

Tinha combinado encontrar-me no bar da FNAC de Milão com um participante do Forum na Internet sobre Mina. Era um dos participantes que menos se dava a conhecer, a ponto de não saber ao certo o fazia, nem a sua idade. No terceiro piso da FNAC, em pleno bar, não tive, contudo, dificuldade em o identificar num vulto de quarentão, com óculos muito graduados, que avançava na minha direcção. Para além dos naturais problemas idiomáticos, os problemas de comunicação foram acrescidos pela sua timidez. Imediatamente, de um saco a tiracolo retirou um magote de velhos singles de Mina, editados por esse mundo fora, nos idos de 60 e 70. Havia edições japonesas e até uma de Angola. Eram preciosidades para um coleccionador. Depois mostrou-me alguns CD’s promo (promoções para rádio) e entendi que os estava a oferecer-mos. Só perante o seu ar aflito me apercebi que, afinal, não era isso - estava a propor que eu os comprasse. Rejeitei atarantadamente a proposta. Senti-me sem jeito e ficou no ar uma pesada sensação de gaffe... Tanto que, quando o convidei para jantar, esperava que não aceitasse. Mas não só aceitou, como, simpaticamente, se prestou a desempenhar papel de guia. Mostrou com entusiasmo os vestígios romanos de Mediolanum ali bem perto e forneceu informações que nenhum guia de papel pode dar. Mas era, definitivamente, uma pessoa estranha, tão afastada quanto se possa imaginar do estereotipo italiano. Verifiquei que, numa cidade em que, normalmente, se é furiosamente nerazzurro (Inter) ou rossonero (AC Milan), tinha perante mim um exemplar neutro… que odiava futebol. O seu passatempo preferido era, disse enfaticamente, deambular solitário pelas montanhas... Conduziu-me a um restaurante, onde se comeu bem e a preço razoável. No final, queria pagar a sua parte da conta..! Não consegui deixar de me espantar com tal alarde de mesquinhez, que resolutamente rejeitei. Fosse como fosse, apesar das situações constrangedoras, houve uma agradável e interessante troca de impressões, que, entre outras coisas, me permitiu concluir que o salário de um professor italiano é em termos absolutos inferior ao nosso e em termos relativos ainda mais baixo. Era anti-berlusconiano e também não gostava de Umberto Bossi, líder da Lega Nord. A propósito perguntei-lhe se ainda se falava dialecto milanês, ao que me respondeu que nas cidades já não, mas que nos campos ainda era falado por idosos. Lembrava-se que na sua juventude ainda era corrente escutá-lo pelas ruas de Milão. Adorava a sua cidade, a qual, dizia, não trocava por nenhuma outra. De Portugal não sabia nada, nem os superficiais lugares-comuns. Parecia não ter interesse nenhum em conhecer Portugal ou Espanha. O único grande interesse que tinha por terras estrangeiras era por Paris. A minha afinidade com ele limitava-se a gostos musicais, desde Mina a Nino Ferrer. Despediu-se inopinadamente em pleno Duomo e, depois de tudo, acabei por não estranhar o modo desconcertante como desapareceu.
O Duomo é sensacional, pela fachada da catedral, pela amplitude da praça, pela Galleria Vittorio Emanuelle. Esta é composta por um cobertura sobre duas ruas e uma ampla abóbada no seu cruzamento. A estrutura é de vidro e ferro e os edifícios têm a traça da melhor arquitectura da segunda metade do século XIX. Aí, o comércio é do mais refinado. A livraria Feltrinelli, por exemplo, é majestosa. Aqui, como em Espanha, traduz-se tudo e a oferta abrange uma variedade por cá inimaginável. Regressei ao hotel atormentado pelo calor. Na ida e na vinda utilizei o metro, que cobre quase toda a cidade. Como o de Madrid, Barcelona ou Nova Iorque é mais feio que o de Lisboa, mas mais funcional.

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