Salazar e os grandes portugueses
Acabou o programa Os grandes portugueses, da RTP. Como se esperava ganhou Salazar. Não há que exagerar, mas tampouco há que minimizar o significado do desenlace. Reflecte dois factores: tendência natural para um certo revisionismo favorecido pelo distanciamento temporal; protesto contra a situação actual. Seja como for, é significativo que se amplifique a onda de preplexidade e indignação... Estremecem as esquerdas e, em particular, as suas elites intelectuais. Na verdade, grande parte das esquerdas é credora de uma matriz jacobina (ampliada no caso dos comunistas e extrema-esquerda). É intolerante e tem em relação à realidade dificuldade para a entender. Pretende resolver a interpretação da teimosa realidade, aplicando os seus velhos esquemas teóricos.
Vejamos serenamente esta questão. Foi ou não Salazar um grande português? Evidentemente que foi. Resolver a questão do que é ser um "grande português" endereça para valores nacionais. Pode-se concordar ou discordar dos valores do ditador, mas ninguém, de boa fé, pode ignorar que os valores nacionalistas ocupavam o centro do seu ideário. A sua acção política foi, pelo menos até à década de 50, benéfica para o posicionamento de Portugal no mundo, ainda por cima, num período tremendo, marcado pela Guerra Civil de Espanha e pela II Guerra Mundial. Com habilidade, jogando um complicado jogo de equilíbrios, num cenário de fundo explosivo, conseguiu poupar directamente o país às convulsões europeias, ainda por cima, sem perdas. Só isto (acaso foi pouco?) seria suficiente para o colocar numa galeria de ilustres da nossa história. É claro que era um ditador (que não fascista...), mas nos anos trinta, tal não só não era anacrónico, como natural. Foi até, diriamos, comparativamente com as demais ditaduras (a começar com a da Espanha franquista), um ditadura branda. O estado nunca assumiu um carácter totalitário e a repressão foi, geralmente, selectiva, incidindo sobre os comunistas. Estes, é necessário não esquecer, apesar do seu heroísmo, sempre tiveram um projecto político que desemboca, esse sim, em ditadura feroz... Porém, os fundamentos do pensamento salazarista não consistiam só no nacionalismo e no anti-comunismo. A argamassa era o conservadorismo católico. Tal contribuiu para moderar efectivamente as tendências extremistas. Depois, o que é fundamental, impôs um modelo sóbrio de governação, assente no espírito de serviço público, que teve, durante muito tempo, importantes benefícios internos, traduzidos em estabilidade, segurança e fiabilidade das instituições. Com todos os seus defeitos e qualidades o salazarismo sintonizava com a realidade social e mental de um país periférico e rural; emanava naturalmente de um Portugal profundo...
É claro que à medida que o tempo foi passando o pensamento de Salazar passou a ter consequências muito mais negativas que positivas. Nos anos 60 era já, sob todos os pontos de vista, um pesado anacronismo que, entre outros aspectos conduziu o país a um beco sem saída na questão colonial. E sob o ponto de vista económico perderam-se muitas oportunidades. O necessário impulso democratizador jamais foi encarado, é claro. Faltou um mínimo de realismo. O que fora adequado até inícios dos anos 50 tornou-se um lastro sem solução de continuidade. A força ideológica do salazarismo tinha em si uma tremenda fragilidade - a rigidez dos seus princípios conduziu à inevitável auto-destruição num mundo em grande mudança. O 25 de Abril acabou por ser o resultado último desse desajustamento. Contudo, o processo democratizador só alcançará verdadeiramente a maturidade quando a nossa democracia souber encarar Salazar e o salazarismo no seu contexto; quando, enfim, tiver capacidade de valorizar o que fez de positivo e, inclusivamente, capacidade de incorporar alguns valores conservadores. Para além do seu carácter de conjuntural protesto, este concurso televisivo pode ser uma bofetada na cegueira dogmática das esquerdas sem remédio que desbloqueie um pouco o caminho nesse sentido.
Vejamos serenamente esta questão. Foi ou não Salazar um grande português? Evidentemente que foi. Resolver a questão do que é ser um "grande português" endereça para valores nacionais. Pode-se concordar ou discordar dos valores do ditador, mas ninguém, de boa fé, pode ignorar que os valores nacionalistas ocupavam o centro do seu ideário. A sua acção política foi, pelo menos até à década de 50, benéfica para o posicionamento de Portugal no mundo, ainda por cima, num período tremendo, marcado pela Guerra Civil de Espanha e pela II Guerra Mundial. Com habilidade, jogando um complicado jogo de equilíbrios, num cenário de fundo explosivo, conseguiu poupar directamente o país às convulsões europeias, ainda por cima, sem perdas. Só isto (acaso foi pouco?) seria suficiente para o colocar numa galeria de ilustres da nossa história. É claro que era um ditador (que não fascista...), mas nos anos trinta, tal não só não era anacrónico, como natural. Foi até, diriamos, comparativamente com as demais ditaduras (a começar com a da Espanha franquista), um ditadura branda. O estado nunca assumiu um carácter totalitário e a repressão foi, geralmente, selectiva, incidindo sobre os comunistas. Estes, é necessário não esquecer, apesar do seu heroísmo, sempre tiveram um projecto político que desemboca, esse sim, em ditadura feroz... Porém, os fundamentos do pensamento salazarista não consistiam só no nacionalismo e no anti-comunismo. A argamassa era o conservadorismo católico. Tal contribuiu para moderar efectivamente as tendências extremistas. Depois, o que é fundamental, impôs um modelo sóbrio de governação, assente no espírito de serviço público, que teve, durante muito tempo, importantes benefícios internos, traduzidos em estabilidade, segurança e fiabilidade das instituições. Com todos os seus defeitos e qualidades o salazarismo sintonizava com a realidade social e mental de um país periférico e rural; emanava naturalmente de um Portugal profundo...
É claro que à medida que o tempo foi passando o pensamento de Salazar passou a ter consequências muito mais negativas que positivas. Nos anos 60 era já, sob todos os pontos de vista, um pesado anacronismo que, entre outros aspectos conduziu o país a um beco sem saída na questão colonial. E sob o ponto de vista económico perderam-se muitas oportunidades. O necessário impulso democratizador jamais foi encarado, é claro. Faltou um mínimo de realismo. O que fora adequado até inícios dos anos 50 tornou-se um lastro sem solução de continuidade. A força ideológica do salazarismo tinha em si uma tremenda fragilidade - a rigidez dos seus princípios conduziu à inevitável auto-destruição num mundo em grande mudança. O 25 de Abril acabou por ser o resultado último desse desajustamento. Contudo, o processo democratizador só alcançará verdadeiramente a maturidade quando a nossa democracia souber encarar Salazar e o salazarismo no seu contexto; quando, enfim, tiver capacidade de valorizar o que fez de positivo e, inclusivamente, capacidade de incorporar alguns valores conservadores. Para além do seu carácter de conjuntural protesto, este concurso televisivo pode ser uma bofetada na cegueira dogmática das esquerdas sem remédio que desbloqueie um pouco o caminho nesse sentido.
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