segunda-feira, março 28, 2005

Flamenco (12)

Raimundo Fagner - Traduzir-se Traducir-se (1981)
Que faz o brasileiro Raimundo Fagner aqui, ainda por cima numa rubrica com título Nuevo Flamenco? Pois, efectivamente, este álbum se é catalogável em algum género é neste. Contudo, em rigor, isto é válido para cerca de metade dos temas, já que a outra metade é variada, estando aí representada a linha própria de Fagner. Nessa linha, aliás, abre o álbum com uma espantosa interpretação de um poema de Florbela Espanca, Fanatismo.
É um álbum mestiço, mas marcado por um astral flamenco, eloquentemente enunciado pela pose de Fagner na foto da capa, com sombrero andaluz sobre a sua face gitana, em plena Plaza Mayor de Madrid (só faltava em vez do cigarro, um puro...). Parte dele foi produzido e gravado em Madrid, com a participação da argentina Mercedes Sosa, de Manzanita, Joan Manuel Serrat e Camarón de la Isla. Todos interpretam duetos com Fagner em temas marcantes nas suas carreiras, compostos sobre poemas de Pablo Milanés, Federico García Lorca e Antonio Machado: Mercedes Sosa - Años (Milanés); Manzanita - Verde (Lorca); Serrat - La Saeta (Machado); Camarón - La Leyenda del Tiempo (Lorca). A participação dos três últimos é decisiva e é espantoso verificar que estas versões superam os originais! Mas o enunciado flamenco não fica por aqui. Trianera é o tema mais flamenco, em sete minutos de magia jonda quase em roda livre. Pelo seu lado, Málaga, não o sendo de todo na forma, é enquadrável pelo espírito da letra.
Diga-se ainda que Fagner nasceu no Ceará, mas é filho de um libanês e de uma índia. Para o Nordeste nos finais do século XIX e inícios do século XX afluiu uma quantidade apreciável de oriundos da Turquia, Síria e Líbano, todos popularmente conhecidos como turcos ou mascates (não esquecer seu Nasib, de Gabriela...). O cantor justifica a sua atracção pelo flamenco, por essa sua ascedência paterna. É uma crença muito difundida essa, a das influência árabe no cante, mas, na verdade, pelo menos de forma directa, ela foi menor do que se possa crer... O certo é que a sua voz desgarrada se adapta bem ao género e que esse sua aptidão e gosto proporcionou um álbum muitíssimo bom.
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