Robert Fisk - A Grande guerra pela civilização (2008) [Great war for civilisation (2005)]
Robert Fisk é um jornalista inglês, correspondente no Médio Oriente há mais de trinta anos. A partir de Beirute tem trabalhado para meios de comunicação social britânicos, nomeadamente o The Times e o The Independent. Poucos terão tanto conhecimento e experiência desta região. Tem-se destacado, não só por isso, mas também por uma abordagem que divulga expressiva e detalhadamente a visão e a perspectiva dos muitos ressentimentos e enfrentamentos em relação ao Ocidente. Tal abordagem tem-lhe feito abrir portas que não se abrem facilmente a jornalistas ocidentais; tem-lhe garantido acesso a fontes privilegiadas de informação. Basta dizer, por exemplo, que Bin Laden foi por ele entrevistado duas vezes - uma no Sudão; outra no Afeganistão. Na verdade, Fisk demonstra a preocupação de entender as razões do outro lado, levando o princípio da neutralidade jornalística a limites que podem, inclusivamente, ser mal-entendidos no mundo ocidental. Em boa verdade, dá-nos pistas para entender equívocos, omissões e contradições em que o Ocidente tem incorrido e que têm contribuído para o arrastamento e agravamento de problemas. O conflito israelo-palestiano é o mais importante, mas está longe de ser o único numa lista que começa, pelo menos, no tempo da I Grande Guerra, aquando do desmoronamento do Império Otomano. É o desfile de uma história de contumaz sobranceria, incompreensão e displicência por parte do Ocidente. Pode-se dizer que, de alguma forma, esta é a tese do livro.
O caudal informativo é portentoso. As descrições são detalhadas e abrangem situações limite, muitas vezes vividas na primeira pessoa. Diga-se, já agora, que Fisk corporiza a figura romântica do correspondente de guerra. Contudo, o livro, se bem que assente nas suas reportagens e artigos, está muito além de uma compilação. É uma síntese com nexo temático em torno dos grandes problemas do Médio Oriente, sendo este aqui um conceito que abrange o mundo árabe (desde o Magrebe), turco, persa, afegão e o indiano islamizado. Para além disso, faz incursões até à I Grande Guerra - "a guerra do seu pai" -, que acabam por ser muito mais pertinentes do que se possa imaginar... Não segue uma orientação cronológica. Está próximo de ser uma síntese de história contemporânea, regional com algumas limitações advindas do facto de ser feita por um jornalista. Contudo, a condição de jornalista propicia também vantagens, como a de se conseguir imagens impressivas de tantas e tantas situações extremas, que têm o condão de fazer perceber e sentir a realidade mais eficazmente do que através de descrições genéricas filtradas por conceitos académicos. Mais do que isso; em matérias como o genocídio arménio (remonta ao desmoronamento do Império Otomano e construção da Turquia moderna) e como a carnificina da Guerra Irão-Iraque, tornam-se pertinentes as descrições fortes, dadas as circunstâncias de omissão que têm rodeado esses extraordinários acontecimentos.
Maneja-se tão vasta e diversificada informação que, muitas vezes. surgem perguntas que não têm resposta. Apetece complementar a leitura desta obra com informações de índole histórica que dêem uma compreensão mais profunda. E já agora, questionarmo-nos se aquilo que atrás referi como tese do livro não será tão-só um dos aspectos para a compreensão dos problemas do Médio Oriente, porventura não o mais decisivo. Com efeito, muita da informação fornecida pode ir ao encontro de outras teses, nomeadamente, as que sustentam que os problemas essenciais preexistiam e já estavam configurados antes do choque contemporâneo com o mundo ocidental.
Uma nota final para um aspecto salientado na recensão critica feita no Público - as deficiências de tradução. No mínimo, parece que os tradutores não estarão suficientemente familiarizados com certos aspectos da cultura árabe. Designar Oum Kalsoum como cantor - ela que foi um autêntico mito, ícone maternal da cultura popular árabe - é, só por si sintomático...
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