sexta-feira, novembro 14, 2008

Tiro ao alvo (20)

A guerra dos professores (I)
Parece que a equipa ministerial está entregue a uma cruzada redentora para salvar o ensino. Desgraçadamente, tudo indica que se tomam a sério num empenho transcendente, missionário... Pertencem, portanto, a uma perigosa espécie: os redentores! Podiam ser apenas uns cínicos tecnocratas, conjunturalmente enquadrados nos interesses de um aparelho partidário. Mas, se assim fosse, haveria nexos de racionalidade que poderiam ser aproveitados para reparar estragos a tempo. Ora, tal não se vislumbra. É certo que, na senda de Robespierre, gente desta acaba no cadafalso ou, pelo menos, justamente difamada para a posteridade; mas, no interim do seu efémero poder, causam estragos. Não tanto por chatearem os profs até ao tutano - verdade se diga que uma parte deles merece ser chateada e é ver muito da hiperbólica prosa de queixas para o comprovar. Mas, os estragos mais devastadores derivam do facto de que o seu triunfo pode significar o triunfo...
- do pior que há nessa coisa chamada "ciências da educação", que de ciência tem pouco e se traduz, as mais das vezes, por uma tecnocracia construída a partir de abstracções vendidas em mestrados de moda;
- de uma concepção da escola rousseauniana - uma sopa onde se dilui qualquer vestígio de autoridade, respeito e responsabilidade.
A verdade é que a desordem das nossas escolas, ainda assim, assegurava bolsas, onde se podia ensinar e havia quem o fizesse com tranquilidade. Mas, o que agora se vive prenuncia a redução da escola a armazém pop de tempos livres, segundo a vulgata politicamente correcta. Alguns pais ociosos e pretensiosos terão aí livre entrada para lançar foguetório de disparate e distribuir alguma bordoada por profs. Estes, aliás, tenderão a rastejar como técnicos tendencialmente ATL, ou seja, como divulgadores de itens de virtudes de cidadania e animadores de sala e de pátio. A intriga será larvar, enfeitada aqui e ali por cenas canalhas. Triturados os seus neurónios por grelhas e desdobramentos de objectivos até à paranóia, serão premiados aqueles mais habilidosos em construir "aldeias Potenkine" no universo vivaz do portfolio e, por que não, serão também premiados alguns ascetas prontos para sacerdócios masoquistas. Imperará o optimismo e voluntarismo de fachada, assentes nas estatísticas do supérfluo. Dias não distantes chegarão em que se proclamarão todos os sucessos educativos possíveis, em cerimónias ilustradas por powerpoints transbordantes de gráficos comparativos...
Entrementes, a transição actual serve fins políticos de assessores que intuem, não sem pertinência, que a inveja - atributo fatal de um povo que tem nos seus genes a herança de famintos camponeses - compensará eleitoralmente a sova sobre os profs. Estes vivem agora um pesadelo, que uma situação longamente acomodada pelo zelo sindicalista e incompetência governativa (com destaque para os governos do PS!) não deixava entrever. Apopléticos, e-mailizam-se convulsivamente, uivam moções sobre moções e desfilam em hipermanifs desesperadas.
Talvez fosse útil reflectir e elevar a contestação ao nível onde se situa o processo mais global do desastre educativo. A própria eficácia da luta teria a ganhar com isso. Com efeito, é imperioso elevar o nível dos agravos e ser inteligente, se se quiser ter a mínima hipótese de não perder em toda a linha. Desde logo, reconheçamos que o que existia antes era uma treta e que é necessário que exista, mesmo, um mecanismo de efectivo reconhecimento do mérito, mas sem que pareça conversa fiada. Denunciemos os efectivos defeitos deste sistema, sem exageros teatrais. Centremos mais as preocupações na qualidade de ensino, sem que pareça ser slogan. Apresentem-se propostas alternativas, mas sérias! Ao mesmo tempo, ponham-se de lado ilusões sobre uma luta que só os ingénuos podem imaginar que se ganhe à força de moção... Imaginação é preciso! E, sobretudo, organização!


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