6º Dia (5ª Feira)
Nesta viagem, o hotel de Milão foi o melhor de todos e, curiosamente, também o mais barato. Estava localizado na zona ocidental, próximo do recinto de exposições, sendo esta proximidade apresentada na sua página web como a sua maior vantagem. Porém, a localização afastada do centro implicava a utilização de transportes públicos. O metro era o mais prático, só que estava um pouco distante. A alternativa era o eléctrico. Com efeito, Milão tem linhas de eléctrico com composições de cor alaranjada, compridas e estreitas. Logo de manhã o objectivo era ir à Igreja de Santa Maria delle Grazie, a fim de garantir a entrada para o Cenáculo, onde está a Última Ceia de Da Vinci. Não queria correr o mesmo risco que em Florença. Sucede que a igreja ficava perto e para lá chegar bastaram alguns minutos a pé, por agradáveis zonas residenciais, onde se respirava conforto e bom-gosto burguês. Quando cheguei à igreja, comprovei que, definitivamente, a avalanche turística não chegara ali; havia bastante gente mas nada que se comparasse com o que se vira nos dias anteriores. Mesmo assim foi necessário fazer uma marcação para as duas da tarde. Assim, o objectivo imediato tornou-se, entretanto, o centro, via eléctrico. Quando ao entrar fazia menção de pagar os bilhetes, o condutor fez um simpático sorriso, abanando a cabeça – não vendia bilhetes; ao mesmo tempo, fechou as portas e senti-me, assim, convidado a viajar à borla. Ocorreu-me que seria de aproveitar para visitar o Museu do Teatro alla Scala. Milão é a capital do mundo operístico. Nova Iorque (Metropolitan), Londres (Covent Garden), Paris (L’Opera) e Barcelona (Liceo) são os pontos fulcrais do circuito operístico, mas La Scala é o mais importante. O museu está no edifício do teatro e não só acolhe um amplo espólio de adereços de artistas e compositores como proporciona uma panorâmica da sala de espectáculos a partir de alguns camarotes. Causa impacto estar naquela sala tão famosa, que, tanto quanto sei, é parecida com a do São Carlos. Perto de La Scala está o “quarteirão da moda” (Il Quadrilatero). Do que se seguiu, só vi coisa comparável na parte superior da Quinta Avenida de Nova Iorque. A Via Monte Napoleane, a mais importante das que compõem o quarteirão, é toda ela glamour. Montra após montra deparamo-nos com sofisticação. Zara e outros simpáticos contributos para melhorar a indumentária popular não tem ainda guarida aqui. É coutada de Versace, Ferragamo, Giorgio Armani, Gucci e afins... Aqui estão as suas sedes. São lojas amplas e espaventosamente decoradas. Os preços são inverosímeis. Encarar um par de sapatos que ostentasse menos de 250.000 liras (25.000 escudos) foi impossível. A média não deveria andar longe das 500.000. Mas havia abundância de preços delirantes, que eram mais do que inacessíveis... Apesar da minha quase indigência em matéria de roupa, não desdenho sempre quem se veste bem – é uma algo que não é demasiado importante para mim, mas não encaro como inconveniente em certas pessoas... O certo é que gostei do que vi. Bem antes das duas horas estava de novo junto a Santa Maria delle Grazie. O regresso fora de eléctrico e... (outra vez) à borla - sempre era mais agradável que de metro e... pagando. Era um modesto contributo para dar razão ao qualificativo portoghese que em Itália, desde uma embaixada quinhentista de D. Manuel I a Roma, significa borlista ou "penetra".
São impressionantes os cuidados que rodeiam a visita ao Cenáculo. Para ver um dos mais famosos frescos da humanidade os visitantes são filtrados de modo a que lá dentro o número de presenças seja sempre reduzido. A Última Ceia apreciada no seu verdadeiro contexto parece estranha. À força de tanto vê-la reproduzida, resulta insólito verificar que ocupa toda a parte superior do espaço de uma parede, que nem sequer é muito ampla e que colide com a ombreira de uma porta, a qual lhe rouba espaço vital.. As cores são tão suaves que se tornam esbatidas, mas a sensação de profundidade é notória, sobretudo quando nos afastamos. No exterior havia todo o tipo de informações, incluindo as referentes aos trabalhos de restauro, por conta da Olivetti. É um pequeno espaço museológico exemplar que sabe enquadrar da melhor maneira o que apresenta.
O resto da tarde foi passado no quarto do hotel - formidável refúgio do calor que não dava tréguas. À noite voltei ao mesmo restaurante da véspera e cirandei pelas lojas da Galleria Vittorio, em particular pela labiríntica livraria Feltrinelli...
2 comentários:
Alabardeiros
Interessantísima esta crónica, digna dum Bruce Chatwin...
Seve
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