terça-feira, agosto 30, 2005

Baúl de los recuerdos (1)

Antonio Mercero - Verão azul (1981/2005)
A recente edição em DVD da série Verão Azul é uma saborosa oportunidade para um exercício de nostalgia. Foi exibido na RTP algures em 1982 ou 1983 e foi um sucesso. Tanto quanto me parece, foi o maior sucesso que qualquer produção televisiva espanhola teve entre nós (entre as muitíssimo poucas que cá foram chegando). O segredo do sucesso é muito simples: o encanto que emana de histórias simples e ingénuas e um quadro de personagens joviais que compõem um doce cenário de férias. Há ainda o tema musical, um verdadeiro must entre as melodias assobiáveis e que traduz bem o espírito da série. Tema, aliás, que muito gratamente para mim, foi transformado num dos hinos informais do clube de que sou adepto, o FC Porto (pela cor azul...). Visto agora à distância, há evidentes limitações técnicas e a ingenuidade parece até um pouco primitiva, contudo isto reforça o sabor nostálgico. Avulta o personagem Chanquete, interpretado por Antonio Ferrandis - é uma espécie de avôzinho protector e sábio. A criançada anda à solta sob a tutela benévola e complecente de Chanquete e de Júlia, uma mulher madura, só e com pinta de culta e progressista. Os pais da criançada são uns idiotas, mais ou menos ausentes e é, felizmente, esse abandono que proporciona as aventurazinhas simpáticas, de moral edificante. Como estamos longe do artificialismo da vigente cultura juvenil de massas, agressiva e saturada de sinais explícitos de sexualidade precoce e alarve...
Nerja, o cenário da série, parece que resolveu perpétuar a efémera glória que a série lhe conferiu e construiu um pequeno parque temático que lhe é alusiva.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

quinta-feira, agosto 25, 2005

Soulsville (6)

Isaac Hayes - Black Moses (1971)
Estava Isaac Hayes no seu apogeu, logo após a edição da banda sonora de Shaft quando saíu este duplo álbum. É megalómeno! O delírio começa, desde logo, na apresentação. Com efeito, o duplo LP original ficou na história da art cover. Depois de sucessivamente desdobrado (da operação resultava uma enorme foto em formato de cruz), aparecia-nos Isaac Hayes (quase em tamanho natural) como uma réplica de Moisés, em teatrais vestes e cenário bíblicos... A megalomania é extensível à produção. Nunca uma gravação sua teve roupagens orquestrais de tão grande pompa! A Stax não se fez rogada em lhe proporcionar meios de uma super estrela e, aliás, a própria editora parece ter-se engalanado num desmedido triunfalismo ao levar a cabo, nessa mesma época, um evento como foi Wattstax (uma espécie réplica de Woodstock para a América Negra, em Los Angeles - onde, diga-se já agora, Isaac Hayes teve uma actuação destacada).
Significativamente, a unânimidade da crítica desfez-se perante Black Moses. A verdade é que o estado de graça perdeu-se... E, no entanto, é uma obra magnífica. Desigual, desproporcionada, mas, magnífica. Algumas das mais brilhantes pérolas da sua lavra estão aqui: Never can say good-bye (grande êxito, mesmo antes da ultra-famosa versão disco de Gloria Gaynor); Never gonna give you up (recriação de um tema de Jerry Butler); Help me love; Your love is so dogonne good; I'll never fall in love again (recriação do standard de David / Bacharach, popularizado por Dionne Warwick). Há também muitos raps, ao seu genuíno estilo. Aparecem numerados (Ike's rap I, Ike's rap IV...) e introduzem da melhor forma algumas das mencionadas pérolas, ajudando a criar uma atmosfera especial ...
Nota: Há uma edição digipack remasterizada deste álbum, da editora alemã Zyx, a qual apesar de conter a versão extensa de Never gonna give you up (não disponível no álbum original, nem na primeira reedição em CD), está amputada de alguns dos melhores temas.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

terça-feira, agosto 23, 2005

Mariachi y tequila (26)

Plácido Domingo - Cien años de Mariachi (1999)
Segundo um amplíssimo consenso que vai dos mais entendidos aos meros apreciadores da ópera, Plácido Domingo é o maior tenor da actualidade. É, aliás, curioso como a Espanha tem vindo a produzir tão extenso rol de grandes vozes líricas: Alfredo Kraus, Josep Carreras, Montserrat Caballé, Teresa Berganza, Victoria de los Ángeles... É sob este ponto de vista a maior potência operística do mundo actual. Neste contexto, que Plácido seja o número um, não admira... Muito menos admira a quem tenha ouvidos minimamente sensíveis e nem sequer é preciso estar introduzido no universo do bel canto... Com efeito, fazendo gala de um extraordinário eclectismo e de um notável despretensiosismo, Plácido tem oferecido a sua voz a muitos outros tipos de música. Até certo ponto, pode-se dizer, que, como Carreras, Caballé e Pavarotti, tem acarinhado uma carreira marginal e intermitente de estrela pop. A saga dos "três tenores" é o que tem mais visivelmente atestado esta faceta. Felizmente, porém, que a coisa não se tem esgotado nesse episódico trio...
Plácido é castelhano dos pés à cabeça, na nobreza do seu porte, no seu carácter. Contudo, muitas vezes, tem demonstrado a sua paixão pelo México - algo que se compreende melhor, se se tiver em conta que, desde muito novo e por muitos anos aí viveu. Assim, coerentemente, o que de melhor as suas aventuras extra-operísticas têm dado encontram-se no universo da música hispano-americana. Este CD é um bom exemplo. Contribuindo para a comemoração do centenário do estilo mariachi, este álbum situa-se no mais privilegiado lugar de divulgação da música ranchera pelo mundo. Graças, evidentemente, à notoriedade do tenor e à qualidade final do produto. É certo que, para os mais identificados com o género, há uma estranha pulcritude, ao mesmo tempo que um perfeccionismo artístico pouco acorde com a rusticidade ranchera. Mas não deixa de ser fascinante este encontro entre a perfeição artística e esse universo de rudeza viril! É uma produção perfeita para uma voz perfeita e para uns temas belíssimos. E é, assim, a melhor introdução possível à música ranchera para quem a desconhece.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

quinta-feira, agosto 11, 2005

Mediterráneo / Mediterrània (24)

Maria del Mar Bonet / Al Tall - Cançons de la nostra Mediterrània (1982)
Na esteira de uma série de magníficos álbuns, em 1982, surge Cançons de la nostra Mediterrània, feito com o grupo folk valenciano Al Tall. Para mim este é o último marco da fase mais notável da carreira de Maria del Mar Bonet. Ao contrário do anterior, insere-se no género puramente folk e tem a particularidade de ser uma espécie de mostruário da música popular de toda (ou quase) a geografia de língua catalã (Catalunha, Menorca, Mallorca, Ibiza e Valencia). É, na verdade, um mostruário de géneros, idiossincrasias e dialectos. Assim, passeamos desde a Catalunya Nord (Rossilhão francês) até Alacant (Alicante), passando pelo arquipélago balear, ao som de havaneras, boleros (os primitivos) e jotas. Tudo isto servido por uma esmerada produção.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Mediterráneo / Mediterrània (23): Mallorca

Maria del Mar Bonet - Jardí tancat (1981)
Nas vésperas de encetar a minha primeira viagem a Maiorca, apropriadamente, resolvi repassar a discografia de Maria del Mar Bonet. Com permissão do antecedente Saba de terrer, considero este o melhor álbum de Maria del Mar Bonet. É certo que não conheço os mais recentes, mas não imagino ser fácil reencontrar agora o encanto ímpar aqui alardeado. A sua voz atinge uma doçura e suavidade que, se bem que nunca perdida, dificilmente poderia voltar a alcançar tal esplendor. Como se não bastasse, tudo o mais em Jardí Tancat parece tocado por um estado de graça: os arranjos de orquestração; o repertório de poetas maiorquinos contemporâneos; as fotos nos Jardins de Raixa (em Maiorca); a foto da capa... Curiosamente é um álbum na linha da canção de texto e em que a presença folk é discreta, apenas indirectamente trazida através da temática dos poemas. Entre um punhado de jóias, cabe sublinhar que a forma como o álbum se despede, com Cançó de la sirena, é algo de invulgarmente belo: uma melodia encantatória vai-se desvanecendo gradualmente, deixando no ar um perfume melódico, diria, de genuína essência mediterrânica...
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

quarta-feira, agosto 10, 2005

Guia hispânico (14)


Eduardo Delgado / Ángel del Pozo / José María del Río / Jaime Pérez - A vista de pájaro (2005)
Começo por reproduzir o texto do post que anteriormente escrevi sobre esta série:
"Trata-se de uma colecção de 18 cassetes com documentários sobre todas as províncias espanholas, vista de helicóptero. Foi realizado na segunda metade dos anos 80 pela RTVE e implicou a mobilização de vastos recursos humanos e materiais. Durante os anos 90 esses documentários foram exibidos na TVE 2 e na TVE Internacional, com o título A Vista de Pájaro, abrangendo cada capítulo uma província. Em 1999 foi feita esta edição em VHS. Ainda não há edição em DVD.
É um espantoso trabalho de produção e montagem e o seu resultado revela a que ponto de mestria pode chegar a aliança entre o amor às coisas próprias e a competência técnica. A própria Banda Sonora é original, da autoria de Jaime Pérez e... é magnífica. Diria que é uma das melhores formas de conhecer o país vizinho sem passar a fronteira. Tornou-se um clássico, na medida em que, pelo menos as televisões da Catalunha e do País Vasco já produziram um equivalente mais detalhado para o seu respectivo âmbito.
"
Pois sucede que a série acabou de ser editada em DVD, mais precisamente em 12 DVDs. Sublinhe-se o facto de se ter procedido a uma remasterização da imagem e do som, o qual, se não consegue operar milagres, nomeadamente, fazendo com que tivessem adquirido qualidades próprias de uma digitalização original, consegue uma notável melhoria em relação à imagem e som editados em VHS. Desnecessário parece-me, no entanto, ter-se acrescentado algumas (poucas) imagens actuais retiradas de uma série sobre turismo rural. Nem o espírito, nem o conteúdo concreto destas imagens vem a propósito... Mas é evidente que este pormenor é marginal e as melhorias técnicas decorrentes da remasterização constituem só por si uma mais valia preciosa.
Em relação ao post anterior quero salientar ainda algo. Um justo comentário aí colocado leva-me a reparar uma falta: a de não ter salientado a importância da narração/comentário. Este elemento é, de facto, crucial para a qualidade final desta série de referência. Quem o desempenha tão competentemente é José María del Río.
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

quinta-feira, agosto 04, 2005

La movida (10)

Radio Futura - La ley del desierto / La ley del mar (1984)
O ano de 1984 é, definitivamente, um ano especial na pop/rock espanhola. Entre alguns álbuns marcantes saídos nesse ano conta-se este, para mim, um dos melhores no meio de toda a diluviana produção do género. Não obstante a assinalável estreia com La estatua en el Jardín Botánico, o grupo dos irmãos Auserón não tinha ainda alcançado notoriedade. Por esta e outras razões, a gravação deste álbum, se bem que tecnicamente escorreita, está longe de evidenciar luxos de produção. Aliás, nota-se uma certa "sonoridade de garagem". O registo é mais rock que pop e expressa uma crua rudeza eléctrica. Santiago Auserón, que, sob o pseudónimo Juan Perro, segue hoje mais por caminhos de inspiração latina, é uma das melhores vozes do pop/rock espnhol. Se bem que o tempo tenha aperfeiçoado tais qualidades, já em 1984 elas estavam bem patenteadas.
O álbum apresenta uma curiosa característica conceptual: está dividido em duas partes distintas e a cada uma corresponde seu nome e sua capa; La ley del desierto é a face A e La ley del mar a face B. Se em termos estritamente musicais essa dualidade não é assim tão evidente, já o mesmo não se pode dizer das letras. Em todo o caso, os temas mais marcantes - Escuela de calor (versão cantada e versão instrumental) e Semilla negra - correspondem, respectivamente, ao deserto e ao mar, sendo que se adequam, quer na letra, quer mesmo na música, a essas distintas naturezas. Diga-se que são dois temas espectaculares e que, posteriormente, serão retomados e desenvolvidos em diferentes registos. Escuela de calor, muito particularmente, arrasou nesse verão e ainda sobrou para outros estios...
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

La movida (9)

Mecano - Ya viene el sol (1984)
Para mim este é o melhor álbum de Mecano. O carácter naïf da capa é extensível a quase tudo o mais... incluindo, evidentemente, a voz de Ana Torroja. Símbolo apoteótico deste carácter é Hawaii-Bombay. Não por acaso este tema foi um dos mais ouvidos de então na rádio espanhola. É uma melopeia encantatória, concebida e executada de forma magistral. Os arranjos e a voz são a base deste sucesso. Tornou-se um hino do Verão de 1985, mas tem algo que transcedende a efemeridade simplória dos grandes êxitos instantâneos de Verão. O resto do álbum não deve, porém, ficar obscurecido. Em curioso contraste, impera nos demais temas um registo mais rock dentro daquela linha pop/rock em que o grupo sempre se inscreveu. Mas a inspiração de Nacho Cano e a voz de Ana Torroja estavam no seu ponto mais alto (curiosamente Hawaii-Bombay é da autoria do mais discreto membro do trio, José Maria Cano, irmão de Nacho).
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10