domingo, julho 31, 2005

La Movida (8)

Miguel Bosè - Bandido (1984)
Miguel Bosè, ídolo da pop espanhola nos anos 80, é, por sua vez, filho de dois ídolos dos anos 50: o matador espanhol Luís Miguel Dominguín e a actriz italiana Lucia Bosè. O primeiro, lembre-se, foi figura maior das arenas e protagonista, no ano de 1953, de uma cerrada rivalidade com o seu cunhado, o matador Antonio Ordoñéz. Essa temporada foi epicamente celebrada por Ernest Hemingway em Fiesta (Verão Perigoso). Lucia Bosè foi Miss Itália 1947 e, sobretudo, uma belíssima actriz que teve participação destacada no cinema italiano dos anos 50 e 60. Enfim, tal ascendência confere um destino de notoriedade... Desde muito novo, Miguel Bosè tornou-se um ídolo de adolescentes, graças, sobretudo, a uma música dentro das fórmulas simplistas adequadas, onde a imagem sempre teve um papel decisivo. Porém, essa fama começou em meados dos 80 a coexistir com consistência artística. Até à edição de Bandido, em 1984, Miguel Bosè inseria-se num registo fútil bastante alheio àquele das correntes dominantes da movida. O estrondoso êxito comercial deste álbum, aparentemente não só não o aproximava dessas correntes, como parecia confirmar uma natureza alheia. Contudo, a produção deste álbum atesta que muito delas beneficou, na medida em que um certo know-how e glamour da movida nele se plasmou. A coexistência de qualidade com sucesso comercial apanhou a crítica desprevenida, mas esta haveria de constatar e consagrar em posteriores álbuns o mais notável processo de credibilização artística que a pop espanhola conheceu. Com efeito, os anos 90 assistiram ao estabelecimento de um outro Miguel Bosè, intelectualizado e intérprete de uma pop sofisticada. Muito para trás havia ficado o jovem que arrebatava adolescentes, o qual, com efeito, pouco parece ter em comum com o Miguel Bosè maduro, dos tempos correntes... No início dessa transfiguração, esteve este álbum, cujo tema mais emblemático, foi não o que o abre, mas o terceiro, Amante Bandido. O seu público ainda era (e continuou sendo até finais da década) primordialmente constituído por adolescentes. A temática e os sinais dominantes ainda lhes são dirigidos, mas a voz, a substância das composições (letra e música) e os arranjos são muito mais consistentes. Por outro lado, não por acaso, aqui aparece um tema inovador na sua trajectória até então: Sevilla. Nesta homenagem à cidade andaluza temos, a todos os títulos, um sinal de amadurecimento. Bandido foi o ponto alto de equilíbrio entre simplicidade e sofisticação na sua carreira.
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domingo, julho 24, 2005

Viagens (21): La Vera e Sierra de Peña de Francia / 2002 (2)

La Alberca

Mais a Norte, já em Castilla y León, província de Salamanca, a Sierra de Peña de Francia tem uma paisagem contrastante com a dos planaltos castelhanos. É uma serrania verdejante que está situada entre a Serra da Malcata (Sierra de Gata) e a Sierra de Gredos. Peña de Francia, propriamente dita, é um agreste penhasco muito alto, que domina toda a paisagem da zona e onde, no topo, se encontra um santuário dedicado a uma virgem negra (é extensa a variedade de cultos a virgens negras por terras de Espanha...). A subida num autocarro por uma empinadíssima estradinha estreita feita de curvas e contra-curvas sem guarda, abeiradas do precipício, foi uma experiência que suscitou algumas emoções fortes. Ainda por cima, foi ingratamente compensada por uma densa nuvem de mosquitos que pairava no topo e importunou o desfrute de uma paisagem de horizontes grandiosos.
Há um rosário de castiças aldeias montanhesas: San Martín del Castañar, Miranda del Castañar, Mogarraz e La Alberca. Vimo-las todas e na última nos assentámos. São lugares encantadores a que imediatamente se pode aplicar o gasto tópico medieval... Somos, regra geral, poupados ao espectáculo dos alumínios e outras discutíveis modernices com que, em matéria de arquitectura popular, uma certa noção de bem-estar afronta o bom-gosto. Nessas aldeias impera uma arquitectura serrana, austera, primitiva, cujo símbolo são os avarandados de madeira. Quase todas têm ainda abundantes vestígios de muralhas e modestos castelos. As igrejinhas têm um ar severo, bem castelhano...
Particularmente notável é mesmo La Alberca. O seu isolamento propiciou o assentamento de uma comunidade de cristãos-novos que aí encontraram um pouco mais de protecção contra as assanhadas perseguições anti-judaicas. Daí, a persistência de algumas características peculiares que reforçam o ar de "terra perdida no tempo". Contudo, está longe de se poder dizer que ficou de fora dos circuitos turísticos. Há, na verdade, um turismo informado e culto que tem, desde há muito, La Alberca, como uma das referências da Espanha que verdadeiramente importa conhecer. Em função desta realidade há alojamento e restaurantes em quantidade, assim como cafés com esplanadas e um vasto comércio de recuerdos. Ficámos num magnífico hotel, de construção recente, cuja fachada se integra totalmente nas características da arquitectura popular local e cuja funcionalidade e conforto sustentam uma excelente relação qualidade / preço.

domingo, julho 17, 2005

Mariachi y tequila (25)


Vicente Fernández / Alejandro Fernández - En vivo juntos por última vez (2003)
Este duplo CD regista um memorável espectáculo de Vicente Fernández e seu filho Alejandro em México DF. Foi galardoado na 4ª edição dos Grammys Latinos como melhor álbum na categoria do género ranchero.
A produção é excelente, dando bem devida conta do ambiente apoteótico de um espectáculo pouco comum, que juntou duas primeiríssimas figuras da música popular mexicana, ligadas por uma emblemática ligação pai/filho e representativas de duas gerações distintas. Cada um por seu lado assegura partes demarcadas do espectáculo, mas há quatro canções interpretadas em dueto. O pai aparece em boa forma, o que é, só por si, garantia de qualidade. Tinha à partida, algumas reservas quanto ao filho. Contudo, o que mais acabou por me surpreender foi verificar que o jovem ídolo progrediu muito desde os seus primeiros passos numa indefinida trajectória entre a balada pop e a canção ranchera. A sua voz e, de um modo geral, todas as suas qualidades interpretativas melhoraram muito. A voz, particularmente, ganhou riqueza e espessura de timbre e está agora capacitada para abarcar géneros variados - tão adequada às rancheras como às baladas convencionais. Auguro excelente carreira para o mais maduros dos potrillos de Don Chente... Mesmo assim, os momentos mais altos coincidem com a presença em palco do velho patriarca, nomeadamente em Acá entre nós e nos duetos Amor de los Dos e Golondrinas sin Nido. Estes dois duetos são extraordinários! O primeiro é um virtuoso exercício de expressividade pelo poder; o segundo é um virtuoso exercício de expressividade pela finura. Uma palavra ainda para mais dois temas: Cuando yo quería ser grande e Mi Vejez. Um é uma comovente declaração de amor filial, sentidamente interpretada por Alejandro; o outro, logo a seguir, de forma quase encadeada, é uma exaltação do sentimento paternal, por Don Chente. Enfim, mais uma belíssima proclamação dos valores tradicionais! Todos estes são momentos muito altos, de grande intensidade emocional. O público, cuja arrebatada participação se faz constantemente sentir, ajuda a criar decisivamente essa intensidade emocional. O auge ocorre no quase mítico Volver, Volver, em que este é vigorosamente chamado a cantar e não se faz rogado... ¡Échale Bonito!
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